Artigo publicado originalmente no Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional)
*por Martin Mühleisen, Tryggvi Gudmundsson e Hélène Poirson Ward.
O impacto econômico da pandemia de COVID-19 nas economias de mercados emergentes é muito mais profundo que o da crise financeira mundial.
Ao contrário de crises anteriores, a resposta tem sido decisiva, assim como nas economias avançadas. No entanto, as políticas convencionais estão chegando ao limite, e as políticas não ortodoxas não são isentas de riscos.
Uma pandemia ainda em curso
A COVID-19 ainda está a se propagar no universo das economias de mercados emergentes, pondo em risco as pessoas e as economias.
Enquanto países como China, Uruguai e Vietnã conseguiram conter o avanço do vírus, outros como Brasil, Índia e África do Sul continuam a enfrentar um número crescente de infecções.
O impacto econômico é ainda mais grave para as economias de mercados emergentes por causa dos choques múltiplos que as atingiram. O declínio da demanda externa amplia os efeitos das medidas de contenção interna.
Os países dependentes do turismo e os exportadores de petróleo foram particularmente atingidos devido ao declínio das viagens e ao colapso dos preços das commodities.
Com a expectativa de que o comércio mundial e os preços dos petróleo recuem mais de 10% e 40%, respectivamente, as economias de mercados emergentes provavelmente terão uma dura batalha pela frente, mesmo tendo em conta a estabilização das saídas de capital e a redução dos spreads soberanos em comparação às condições de mercado altamente voláteis observadas em março.
Assim, não é de surpreender que o FMI, na atualização de junho do World Economic Outlook , projete uma retração de 3,2% este ano nas economias de mercados emergentes — a maior queda já registrada para este grupo de países.
A título de comparação, embora o desempenho dessas economias tenha sido gravemente afetado pela crise financeira mundial, elas conseguiram registrar um crescimento positivo de 2,6% em 2009.
Uma resposta decisiva de políticas
A crise teria sido pior sem o apoio extraordinário proporcionado pelas políticas.
Não há dúvida de que as medidas decisivas tomadas pelas economias avançadas conseguiram reverter as condições de mercado, permitindo às economias de mercados emergentes retomar os esforços de financiamento externo em abril e maio, o que contribuiu para níveis recordes de emissão de obrigações no primeiro semestre deste ano: US$ 124 bilhões até o fim de junho.
Mas nem todos os países viram sua sorte melhorar. Os exportadores de combustíveis, os países de mercados de fronteira e aqueles com altos índices de endividamento estão experimentando um choque financeiro mais profundo, que elevou os custos de endividamento ou, pior ainda, interrompeu o acesso desses países aos mercados.
O apoio das políticas nas economias avançadas proporcionou algum espaço de manobra para que as economias de mercados emergentes atenuassem o golpe econômico.
Ao contrário de episódios anteriores, em que as economias de mercados emergentes tendiam a tornar a política monetária mais restritiva para conter a rápida saída de capital e o efeito inflacionário da depreciação da taxa de câmbio, na atual crise a reação de política dessas economias ficou mais alinhada à das economias avançadas.
A maioria das economias de mercados emergentes utilizou seus colchões de reservas com mais parcimônia e permitiu que as taxas de câmbio se ajustassem em maior medida, enquanto muitos países injetaram liquidez conforme necessário para garantir o funcionamento do mercado.
Países como a Polônia e a Indonésia flexibilizaram ainda mais suas políticas macroprudenciais para apoiar o crédito.
Assim como seus pares mais avançados, muitas economias de mercados emergentes, como Tailândia, México e África do Sul, flexibilizaram a política monetária durante este ciclo. Em uns poucos casos, o espaço limitado para novos cortes nas taxas básicas de juros e condições tensas nos mercados induziram ao uso de medidas não convencionais de política monetária pela primeira vez.
Uma delas é a compra de títulos públicos e privados, embora em montantes até agora modestos em comparação às grandes economias avançadas. Por outro lado, o uso de medidas para deter as saídas de capitais tem sido bastante limitado até o momento.
Observa-se um quadro similar no campo da política fiscal. As economias de mercados emergentes relaxaram a orientação de sua política fiscal numa tentativa de enfrentar a crise sanitária, apoiar as pessoas e empresas e contrabalançar os choques econômicos.
Embora mais moderados dos que nas economias avançadas, esses esforços foram consideravelmente maiores do que durante a crise financeira mundial.
De políticas convencionais às pouco ortodoxas
Apesar dessas medidas, as perspectivas para as economias de mercados emergentes ainda estão cercadas de um grau considerável de incerteza. O maior entre os muitos riscos é a possibilidade de uma crise sanitária mais prolongada, que poderia afetar um número maior de vidas e gerar consequências econômicas devastadoras.
Enfrentar uma retração mais grave será um desafio, uma vez que a maioria das economias de mercados emergentes entrou nesta crise com espaço limitado para mobilizar o apoio tradicional das políticas fiscal, monetária e externa. E grande parte da margem de manobra das políticas já foi esgotada pelas medidas tomadas nos últimos meses.
O reduzido espaço de política pode forçar alguns países a recorrer a medidas menos ortodoxas: dos controles de preços e restrições comerciais a políticas monetárias não convencionais e iniciativas para flexibilizar as regras financeiras e de crédito.
Algumas dessas medidas — que também estão sendo implementadas por algumas economias avançadas e de baixa renda — geram custos significativos, sobretudo se seu uso for intensivo.
As restrições à exportação, por exemplo, poderiam distorcer seriamente o regime de comércio multilateral, e os controles de preços impedem o fluxo de mercadorias para aqueles que mais precisam delas.
A eficácia de outras políticas pouco ortodoxas dependerá da credibilidade das instituições – por exemplo, se um país tem um histórico de política monetária credível. Enquanto percorremos os contornos da atual crise, sobra muito pouco tempo para analisar cuidadosamente os riscos e as recompensas dessas medidas.
Ainda não estamos fora de perigo
As economias de mercados emergentes conseguiram atravessar relativamente bem a primeira fase da crise, mas a próxima fase poderia trazer desafios muito mais complexos.
O vírus continua presente, as condições financeiras ainda são frágeis e o espaço para a aplicação de políticas é reduzido, sobretudo para os países que enfrentam risco elevado para a sustentabilidade da dívida. Este último grupo de países é bastante numeroso.
Cerca de um terço de todas as economias de mercados emergentes entraram na crise com altos níveis de endividamento e avalia-se que não disponham de espaço para a aplicação de novas políticas fiscais discricionárias, ou que este espaço esteja seriamente ameaçado.
À medida que a crise segue seu curso, existe também um alto risco de que problemas de liquidez se transformem em dúvidas quanto à solvência. Além da tensão ligada à dívida soberana, o risco de inadimplência das empresas é perigosamente elevado em uma série de economias de mercados emergentes.
Além disso, a crise atingiu muito mais duramente os pobres e, em muitos países, esse aumento da desigualdade amplificará as dificuldades para as políticas.
A complexidade desses desafios exige uma resposta multifacetada das políticas. Primeiro, é preciso formular políticas internas que estimulem um crescimento mais duradouro e inclusivo.
Segundo, nos países em que o acesso aos mercados continua precário, será necessário o apoio dos credores bilaterais e multilaterais. Até este momento, o FMI concedeu aproximadamente US$ 72 bilhões (DES 52 bilhões) em assistência financeira a 22 economias de mercados emergentes.
Por último, no caso dos países cuja dívida se revele insustentável, será preciso buscar soluções oportunas e duradouras para esses problemas, com a ampla repartição do ônus entre os credores, inclusive os do setor privado. Estas duas últimas dimensões serão analisadas em dois blogs futuros sobre o crédito do FMI e o papel da instituição na resolução de dívidas.
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