Trazida à tona pela crise dos refugiados rohingya, a questão da etnia em Mianmar é ponto central para a compreensão da cidadania birmanesa. Essa minoria, de religião muçulmana em um país budista, foge às centenas de milhares da limpeza étnica empreendida pelo Estado.
A perseguição, que tirou mais de um milhão de pessoas de suas casas desde os anos 1990, é uma das facetas da política birmanesa de trazer a etnia no centro da vida pública. Sua consequência foi a “militarização étnica”, como definiu um estudo do International Crisis Group, divulgado nesta sexta (28).
Os autores observam que a necessidade de categorização étnica em um país heterogêneo legou a Mianmar um sistema de classificação complexo e inútil. Sem solução, o conflito continuará fortalecendo a proliferação de grupos armados, afirmam.
A solução, segundo o estudo, é examinar a ineficiência dessa política e priorizar a formação de um Estado multiétnico. Também é fundamental remover a questão étnica na concessão de cidadania. Os rohingya, por exemplo, são considerados apátridas.
Histórico de exclusão
A política birmanesa de remoção da cidadania do povo rohingya, instalado no país há séculos, começa de forma sistemática em 1982. Naquele ano, entra em vigor uma lei em resposta ao retorno em massa dos refugiados que haviam fugido após perseguições em 1978.
A partir da interpretação de que essas pessoas não são cidadãs birmanesas, começou uma nova onda de violência em 2017 que tirou 742 mil do país à força, estima a ONU (Organização das Nações Unidas). A maioria se refugiou no vizinho Bangladesh.
O estudo aponta que, desde a independência dos britânicos, em 1948, a categorização por meio de “raças nacionais” – kachin, kayah/karenni, karen, chin, birmanês, mon, rakhine, shan, kaman ou zerbadee – exclui de políticas e instituições uma parte significativa da população.
“Mesmo fazendo um discurso de igualdade, o Estado privilegia a maioria birmanesa, criando profundas queixas que levam diversas minorias a se questionar sobre o contrato fundamental ente eles e o país”, afirma.
Liberalização para poucos
As tentativas de abertura empreendidas pelo governo militar a partir de 2011, após 50 anos de isolamento, não deram solução ao problema da etnia. Houve a criação de um ministério de “assuntos étnicos” e áreas de administração autônoma.
As políticas não foram suficientes para diminuir a competição entre minorias. Pelo contrário, diz o estudo: foi sedimentada a noção de que, se uma população tem ganhos em termos de direitos civis, outras perderão.
“Como resultado, áreas etnicamente diversas, como o estado de Shan, no norte do país, hoje tem um mosaico de grupos armados baseados em etnia”, dizem os autores. “Cada um luta por seus direitos na comunidade e para proteger seu espaço econômico.”
O chamado etnonacionalismo seria o fio condutor desses conflitos, “uma característica que com frequência faz com que se voltem contra seus próprios vizinhos”. É o caso de Rakhine, maior reduto rohingya do país.
Assimilação
A solução, segundo o estudo, passa pelo fim da conexão entre cidadania e etnia, proposto pela lei de 1982. Também inclui a remoção da etnia nas carteiras de identidade e outros documentos.
As medidas seriam um primeiro passo para diminuir a centralidade da questão étnica no debate público e na política partidária. Também auxiliariam a garantir a setores da população acesso a serviços básicos, diminuir discriminação e forjar uma identidade nacional inclusiva.
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