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domingo, 1 de maio de 2022

Dependência externa de fertilizantes deixa agronegócio brasileiro vulnerável

Por André Amaral

O Brasil enfrenta um paradoxo com a questão dos fertilizantes. Embora seja um país reconhecido como potência mundial no agronegócio, tem grande dependência externa de adubos. E, mesmo dispondo de vasta matéria-prima para viabilizar produção local, principalmente potássio, a autonomia não é um assunto simples, já que a falta de infraestrutura é um problema e tanto.

Como a importação chega a 95% do que é consumido no Brasil, uma crise internacional, como a que ocorre no Leste Europeu entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, deixa o setor vulnerável.

A necessidade de fertilizantes ainda tem como agravante o fato de o solo brasileiro ser naturalmente pobre em nutrientes e ácido, principalmente no Cerrado, disse ao site Poder360 José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Solos.

Processo de fertilização do solo (Foto: Pixabay/Divulgação)

Os nutrientes fundamentais para a agricultura são nitrogênio, fósforo e potássio. Desse tripé de insumos essenciais para o campo, o Brasil importa cerca de 75% de nitrogênio, 55% de fósforo e surpreendentes 95% de potássio, segundo o doutor e professor de Engenharia Química do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) Efraim Cekinski. Metade do potássio importado vem da Rússia e de Belarus. O país também compra da Rússia 15% dos fertilizantes fosfatados e 20% dos fertilizantes nitrogenados.

Com poucas chances de conquistar a independência dos fertilizantes importados, os produtores brasileiros estão atentos ao Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado pelo Governo Federal em 11 de março. Segundo a Agência Brasil, a medida propõe um planejamento do setor de fertilizantes para os próximos 28 anos (até 2050), com foco nos principais elos da cadeia: indústria tradicional, produtores rurais, cadeias emergentes, novas tecnologias, uso de insumos minerais, inovação e sustentabilidade ambiental.

Autonomia improvável

E como uma nação tão bem posicionada no ranking global do agronegócio fica tão à mercê da produção de fertilizantes de outro países?

A resposta é “capacidade”. Ou falta dela. Brasil não possui um sistema de dutos grande o suficiente para dar conta de escoar o gás utilizado para a produção de fertilizantes nitrogenados. Segundo reportagem da revista Veja, se compararmos o país aos EUA, por exemplo, são 40 mil quilômetros de canos por aqui contra 400 mil quilômetros do sistema de escoamento norte-americano.

A discrepância de infraestrutura também pode ser observada no fato de que o Brasil tem apenas quatro fábricas de fertilizante nitrogenado, todas de propriedade da Petrobras, que vem acenando desde 2017 que quer deixar o setor de fertilizantes.

Em consequência da debandada estatal no setor, três fábricas, nas cidades de Camaçari-BA, Laranjeiras-SE e Três Lagoas-MS, foram vendidas nos últimos anos. A de Mato Grosso do Sul, conhecida como Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN-III), curiosamente, quase foi parar nas mãos do grupo russo Acron após uma negociação no começo fevereiro, mas teve o processo de privatização impedido devido às sanções internacionais que recaíram contra a Rússia. Na quinta-feira (28), a Petrobras anunciou que não irá mais negociar a venda aos russos.

Apesar da desistência do negócio, a estatal informou que um novo processo de venda deve ser aberto em breve, segundo o Canal Rural. “A companhia está realizando os trâmites internos para encerramento do atual processo de venda e preparando o lançamento de um novo teaser tão logo possível. A previsão é lançar o novo processo já no início de junho”, disse a Petrobras.

Já a fábrica que restou, em Araucária-PR, está fechada.

Fosfato nitro-amônico da Acron, insumo amplamente utilizado pelas indústrias em suas diversas misturas de fertilizantes (Foto: WikiCommons)

Para o diretor-executivo do Sinprifert (Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes), Bernardo Silva, é mais vantajoso do jeito que está. Ao Poder360, ele disse que o custo Brasil é um fator estrutural que onera a produção nacional de fertilizantes, tornando a importação mais atraente para o agronegócio.

Os custos incluem a infraestrutura logística de distribuição dos insumos e o alto preço do gás natural -matéria-prima para a produção de fertilizantes nitrogenados, como a ureia. Ele observa que o gás chega aos produtores por US$ 12 por milhão de BTU, quando o ideal seria US$ 5 por milhão de BTU.

“A gente tem um ambiente tributário que isenta e subsidia importação. Então 0% de imposto de importação, PIS/Cofins, ICMS, entre outros tributos, que favorecem a competitividade de produtos [importados], enquanto no Brasil a gente é onerado”, disse ele.

Potássio até o século 22

Se por um lado há a preocupação da cadeia produtiva agrícola brasileira com o abastecimento de fertilizantes por conta dos impactos vindos da disputa entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky na Europa, uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que o Brasil tem reservas capazes de salvaguardar o abastecimento de potássio até 2100.

Ouvido pela CNN, o professor Raoni Rajão, do departamento de Engenharia de Produção da UFMG, disse que dois terços das reservas se concentram nos Estados de Sergipe, São Paulo e Minas Gerais. Na Amazônia, apenas 11% delas se sobrepõem a terras indígenas ainda não homologadas. Os números são do Ministério de Minas e Energia.

A reserva de potássio nacional, até hoje, já recebeu 149 pedidos de exploração do minério feitos pela empresa Potássio do Brasil, administrada pelo banco canadense de investimentos Forbes & Manhattan. No entanto, os pedidos ainda esbarram na legislação estadual de Pará e Amazonas.

Por que isso importa?

O temor de que as sanções impostas à Rússia em função da guerra na Ucrânia comprometeriam a importação de fertilizantes pelo Brasil parece não ter se materializado. Ao menos em um primeiro momento. Dados de importação marítima obtidos pela agência Reuters indicam que ao menos 24 navios cargueiros contendo fertilizante embarcaram rumo ao território brasileiro e devem chegar aqui nas próximas semanas.

As embarcações comportam quase 678 mil toneladas de fertilizantes, conforme dados compilados pela empresa de consultoria Agrinvest Commodities. A carga, se entregue devidamente, tem potencial para garantir aos produtores brasileiros uma safra normal de grãos, marcada para começar no último trimestre de 2022.

Dos 24 navios que rumam ao Brasil, 11 deixaram os portos russos de São Petesburgo e Murmansk depois do dia 24 de fevereiro, quando começou o conflito. Em sua maioria, eles trazem cloreto de potássio, usado principalmente em plantações de milho e soja.

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