Os membros do Quad, como é conhecido o Quadrilateral Security Dialogue (Diálogo de Segurança Quadrilateral, em tradução literal), vão anunciar nesta terça-feira (24) uma iniciativa conjunta para combater a pesca ilegal da China no Indo-Pacífico. A informação foi confirmada ao jornal Financial Times por uma autoridade do governo dos EUA.
A iniciativa será anunciada durante uma conferência em Tóquio, que contará com os líderes dos quatro países-membros do Quad: o presidente norte-americano Joe Biden e os primeiros-ministros do Japão, Fumio Kishida, da Índia, Narendra Modi, e da Austrália, o recém-eleito Anthony Albanese.
O projeto envolve o uso de tecnologia de satélites para conectar os equipamentos de vigilância de Singapura, da Índia e do Oceano Pacífico, criando um sistema para rastrear embarcações pesqueiras desde o Oceano Índico e o Sudeste da Ásia até o Pacífico Sul. Assim, será possível fiscalizar mesmo as embarcações que desligam seus sistemas de rastreamento para fugir das autoridades.
“Vamos fornecer uma capacidade global que ligará os sistemas para poder rastrear o transporte ilegal pela primeira vez”, disse o funcionário do governo norte-americano, que não quis se identificar.
Questão ambiental
Segundo Charles Edel, chefe no think tank CSIS na Austrália, a questão ambiental está na raiz do projeto. “A China se tornou o maior perpetrador mundial de pesca ilegal. Eles esgotaram drasticamente os estoques globais de peixes e minaram os meios de subsistência tradicionais de muitos países”, disse. “Quaisquer medidas tomadas para rastrear, identificar e conter essa atividade trariam benefícios ambientais e de segurança para a região”.
Nesse sentido, o anúncio a ser feito pelo Quad vai ao encontro dos desejos de muitas nações do Pacífico, seriamente ameaçadas pelas mudanças climáticas. Tanto que, paralelamente, EUA, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e França estariam desenvolvendo um plano batizado “Parceiros do Pacífico” para ajudar os países da região a combater as ameaças ambientais.
Questão política
A iniciativa é também uma estratégia diplomática dos EUA para conter a crescente influência da China na região. “Estamos apenas pedindo às pessoas na região que lembrem que os EUA e nossos parceiros e aliados têm sido o parceiro de escolha na implementação de segurança e paz desde o fim da Segunda Guerra Mundial”, disse um funcionário do Departamento de Estado norte-americano.
As declarações desse segundo funcionário deixam clara a relação entre a iniciativa e o recente pacto de segurança firmado entre Beijing e o governo das Ilhas Salomão. Segundo ele, as nações do Indo-Pacífico não estão de fato interessadas em “uma base militar com a República Popular da China”, temor compartilhado pelas nações ocidentais no que tange ao pacto chinês.
De acordo com a primeira autoridade ouvida pela reportagem, o acordo China-Salomão e o consequente risco de uma base militar chinesa ser construída na região forçou Washington a agir de forma incisiva. “Esta é uma mudança radical em sua ambição (da China). E é um desafio direto que nós, no Ocidente, como países que têm interesses de longa data no Pacífico, temos que enfrentar”.
Por que isso importa?
Os pesqueiros chineses são responsáveis pela maior fatia de pesca IUU (ilegal, não declarada e não regulamentada, da sigla em inglês) em todo o mundo. Enquanto Beijing diz ter cerca de 2,6 mil navios pesqueiros no mundo, especialistas do britânico Overseas Development Institute estimam a frota chinesa em 17 mil.
O alerta de diversos governos ao redor do mundo para o avanço das milícias da China em águas internacionais está ancorado em uma prática recorrente de navios pesqueiros chineses que ganhou contornos globais. Primeiro, os navios se afastam das águas nacionais. Já fora da jurisdição, desligam o sistema de rastreamento por satélite e invadem mares proibidos sem serem detectados, uma prática proibida pelas leis internacionais.
A delimitação marítima começou em 1982, na Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o Direito do Mar. À época, os Estados-Membros concordaram em controlar os recursos marítimos dentro de uma ZEE (zona econômica especial) de até 200 milhas marítimas. Além desse raio, são águas internacionais.
Acusadas de pesca ilegal, as embarcações com bandeiras da China não só geram uma crise ambiental, como desafiam as fronteiras geopolíticas. A ilegalidade leva a perdas econômicas dos governos e compromete a subsistência dos pescadores nativos e das empresas da cadeia de abastecimento de pescado locais. É uma equação simples: sem essa fonte de renda, as regiões atingidas sofrem com o aumento da pobreza.
Os países menos desenvolvidos são mais vulneráveis, devido à falta de recursos para combater e monitorar a pesca de forma eficaz.
Estima-se que 24% das capturas marinhas do Oceano Pacífico não são declaradas a cada ano. Destes, 50% são comercializados ilegalmente, causando de US$ 4,3 bilhões a US$ 8,3 bilhões em perdas de receitas diretas.
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