Enquanto o governo russo aproveitou o Dia da Vitória, celebrado no país na segunda-feira (9), para realizar um grande desfile militar em Moscou e expor ao mundo se poderio bélico, os manifestantes antiguerra usaram a data para protestar. Impedidos de ir às ruas devido à dura repressão estatal, que prevê prisão para aqueles que contestarem o conflito na Ucrânia, muitos dissidentes usaram “táticas de guerrilha” para manifestar sua oposição. As informações são do jornal independente The Moscow Times.
A estratégia dos manifestantes envolveu, por exemplo pichações em muros das cidades da Rússia. Em Volgogrado, o artista identificado como Phillipenzo desenhou dezenas de caixões, com a frase em russo “o zinco é nosso”. A mensagem é uma referência ao metal usado nos caixões de militares russos, sendo que um dos caixões desenhados contém a letra “Z’, usada como símbolo extraoficial por aqueles que apoiam o conflito e o presidente Vladimir Putin.
“Obviamente, nenhuma vitória nesta guerra absolutamente sem sentido e inglória aguarda a Rússia, e suas principais ‘conquistas’ serão vergonha indelével, isolamento, dívidas, pobreza e dezenas de milhares de vidas, almas e corpos arruinados e aleijados”, disse o artista em sua conta no Instagram. “Corpos que a Pátria nem reconhece e leva para casa com muita relutância”.
No campo virtual, os manifestantes conseguiram inserir uma série de mensagens antiguerra em um site de notícia pró-Kremlin, o Lenta.ru. Surgiram no canal frases como “Vladimir Putin se transformou em um ditador lamentável e paranoico”, “a elite russa está doente de nepotismo e bajulação” e “a guerra torna mais fácil encobrir falhas na economia“. Yegor Polyakov e Alexander Miroshnikov, que trabalhavam no veículo, assumiram a responsabilidade pelo ato e foram demitidos.
Até mesmo a agenda com programação da televisão estatal foi alterada. Onde deveria haver o anúncio de programas sobre o Dia da Vitória foi inserida a mensagem “o sangue de milhares de ucranianos e centenas de seus filhos assassinados estão em suas mãos”.
Além dos protestos de guerrilha, houve também quem optou por métodos mais tradicionais, como ir às ruas com cartazes exibindo mensagens antiguerra. Ao menos dois casos assim foram identificados, com pessoas detidas em Moscou, São Petesburgo e Novosibirsk, na Sibéria.
De acordo com o site OVD-Info, uma organização de direitos humanos que monitora a repressão policial na Rússia, 15.440 pessoas foram detidas até agora por se manifestarem contra a guerra, que teve início no dia 24 de fevereiro.
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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