A repressão do governo chinês à minoria muçulmana dos uigures, que diversos países classificam como genocídio, levou muitos deles a fugir da China. No entanto, mesmo vivendo em outros países, milhares de uigures não conseguem escapar das garras do Partido Comunista Chinês (PCC). É o que aponta um relatório divulgado em abril pelo think tank Woodrow Wilson Center, segundo o qual Beijing usa um complexo sistema para perseguir os dissidentes, com centenas deles enviados à força de volta à China.
“A República Popular da China se envolveu em repressão transnacional em 44 países desde 1997. Desde então, até janeiro de 2022, houve 1.574 casos relatados publicamente de detenções e expulsões de uigures para a China, onde enfrentaram prisão e tortura sob custódia policial”, diz o documento intitulado “A Grande Muralha de Aço: Campanha Global da China para Suprimir os Uigures”, do pesquisador Bradley Jardine.
O relatório diz que foram constatados 5.532 casos de uigures que enfrentam intimidação por parte do governo chinês, 1.150 casos de uigures detidos nos países que os receberam após deixarem a China e 424 casos de uigures deportados, extraditados ou devolvidos a Beijing.
A fim de atingir seus alvos, o governo da China muitas vezes usa estratégias corriqueiras, como ataques hackers e ameaças indiretas a parentes dos uigures exilados.
“Ciberataques e outras formas de assédio online são meios cada vez mais comuns de visar e vigiar membros da diáspora uigur, particularmente aqueles que residem em países democráticos”, diz o texto.
Em situações extremas, a China adota um sistema mais elaborado, que envolve alertas internacionais emitidos à Interpol. Foi assim, por exemplo, que Beijing consegui a extradição de Hussein Celil, um uigur com nacionalidade canadense que vivia no Uzbequistão e foi alvo de um alerta internacional de prisão por terrorismo.
“Após sua extradição do Uzbequistão em 2006, o governo da China condenou Celil à prisão perpétua em um julgamento secreto. Mais tarde, foi comutada para uma sentença de 20 anos”, diz o relatório.
Segundo Jardine, o caso de Celil mostra como Beijing sabe explorar as relações diplomáticas e até comerciais que mantém com nações pouco dispostas a entrar em disputa com um poderoso e importante aliado.
“Embora a China assine tratados de extradição com Estados parceiros, estes raramente são invocados”, disse ele à rede Voice of America (VOA). “Em vez disso, os Estados complacentes são mais propensos a acusar os residentes uigures de violar os termos de seus vistos de imigração por motivos duvidosos e deportá-los, o que envolve menos burocracia e atrai menos atenção internacional”.
O relatório afirma que a China usa inclusive seus investimentos em projetos de infraestrutura mundo afora como arma, levando outros países a colaborar com a repressão para manter em bom termo a relação com um importante financiador.
“A crescente influência da China como parceiro econômico em todo o mundo trouxe consigo uma presença de segurança chinesa aprimorada que permite a Beijing vigiar e reprimir os uigures muito além de suas fronteiras”, diz o documento.
A maioria dos casos reportados ocorre na Ásia Central, com alguns incidentes registrados também na África. Mas, de acordo com Jardine, combater esse sistema repressivo envolve medidas a serem adotadas inclusive pelas nações ocidentais. Entre elas, aumentar a receptividade a refugiados uigures; exigir que a China preste contas em organismos internacionais; criar mecanismos de denúncia para uso dos uigures e restringir a exportação de equipamentos de vigilância que possam servir a Beijing.
Por que isso importa?
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Os uigures, cerca de 11 milhões em Xinjiang, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. .
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.
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