A procuradora geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, anunciou que o país estabeleceu o primeiro caso judicial concreto contra um solado russo acusado de cometer um crime de guerra no conflito iniciado em 24 de fevereiro. O réu é Vadim Shishimarin, um militar de 21 anos que teria matado a tiros um homem desarmado no vilarejo de Sumy, no nordeste do país. As informações são do jornal The Washington Post.
Shishimarin, atualmente em custódia, é acusado de atirar contra um cidadão ucraniano de 62 anos que conduzia uma bicicleta ao lado da calçada. A vítima “morreu no local, a algumas dezenas de metros de sua casa”, diz um comunicado da procuradoria.
A Justiça ucraniana alega ter coletado evidências que permitem denunciar o acusado por “violação das leis e costumes de guerra combinada com assassinato premeditado”. A pena nesse caso varia entre dez e 15 anos de prisão.
“Shishimarin está fisicamente na Ucrânia”, disse Venediktova a uma emissora de televisão estatal da Ucrânia. “Estamos iniciando um julgamento não à revelia, mas diretamente com a pessoa que matou um civil, e isso é um crime de guerra”.
Cinco mil casos
Segundo Venediktova, há cerca de cinco mil casos abertos de crimes de guerra, todos sob investigação e com provas sendo coletadas pelas autoridades locais. A depender do resultado das investigações, as acusações serão feitas tanto na Justiça local quanto em cortes internacionais, como o TPI (Tribunal Penal Internacional).
A estratégia do governo ucraniano é abrir o máximo possível de processos, a fim de tentar condenar tantos militares russos quanto possível. Os casos envolvendo figuras do alto escalão das forças armadas da Rússia, porém, devem ser deixados para o TPI.
Os EUA e a União Europeia (UE) têm apoiado a Ucrânia no processo de investigação. No final de abril, o bloco europeu passou a debater uma emenda legal que permitiria à Eurojust (Agência da União Europeia para Cooperação em Justiça Criminal) “recolher, conservar e partilhar provas de crimes de guerra”, bem como trabalhar em parceria com o TPI.
Atualmente, o regulamento não prevê que a agência “preserve essas provas de forma mais permanente, nem as analise e troque quando necessário, nem coopere diretamente com as autoridades judiciais internacionais”, disse a UE em comunicado.
De acordo com o bloco europeu, tal iniciativa é necessária para permitir que os acusados sejam eventualmente julgados e punidos. “Devido ao conflito em curso, é difícil armazenar e preservar provas de forma segura na Ucrânia. Para garantir a responsabilização pelos crimes cometidos na Ucrânia, é crucial garantir o armazenamento seguro de provas fora da Ucrânia, bem como apoiar as investigações e os processos por várias autoridades judiciárias europeias e internacionais”.
No mês passado, as primeiras acusações foram processadas, mas à revelia, vez que os acusados não estão em poder das autoridades ucranianas. Na ocasião, Kiev divulgou uma lista contendo os nomes de dez soldados russos acusados de abusos na cidade de Bucha.
Soldado entrevistado
Vadim Shishimarin, o soldado ucraniano que vai a julgamento, supostamente aparece em um vídeo no YouTube postado pelo blogueiro ucraniano Volodymyr Zolkin, que tem feito vídeos que colocam prisioneiros de guerra russos em contato com seus familiares. Na gravação, o militar diz que foi capturado quando sua unidade militar foi cercada por tropas da ucrânia, no momento em que tentavam levar de volta à Rússia soldados feridos. A veracidade do vídeo não foi checada de forma independente.
De acordo com Robert Goldman, especialista em crimes de guerra e direitos humanos da Faculdade de Direito da American University, casos de prisioneiros de guerra julgados em meio ao conflito são raros. Mas as circunstâncias tendem a ajudar na coleta de provas. “As evidências são muito recentes na Ucrânia e estão sendo coletadas de forma muito profissional, pelo que tenho visto”, diz ele.
O massacre de Bucha
A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.
“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.
Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.
Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.
Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.
“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.
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