A pandemia do novo coronavírus gerou dano severo à reputação internacional da China. Agora, o país reage mostrando sua força bruta, afirma Brahma Chellaney, geoestrategista indiano e colunista do “Project Syndicate“.
O ano começou com um discurso do presidente Xi Jinping, no qual afirmou que 2020 seria um “marco”. Mas, diferentemente do esperado, entre os principais parceiros de Beijing esses 12 meses ficarão na história como o momento em que o país mostrou uma “ambição imperialista” inédita.
Chellaney cita a tentativa chinesa de estocar insumos e produtos médicos, produzidos em larga escala no país, e cujo envio era vinculado a agradecimento e deferência ao governo – à época, apelidada de “diplomacia das máscaras”.
O país também escondeu informações a respeito do vírus nas primeiras semanas após seu surgimento, segundo relatórios de inteligência norte-americana.
Houve também investidas de Beijing contra a fronteira com a Índia, gerando a maior crise diplomática e manifestação de força bruta entre os dois países em quase 60 anos, após atritos no Himalaia.
As tentativas de extensão das águas territoriais chineses no Mar da China Meridional também irritaram os vizinhos do sudeste asiático. Por meio da construção de ilhas artificiais, os chineses avançam contra mares filipinos, vietnamitas e malaios, entre outros países.
Seis olhos
Os avanços chineses impulsionaram mudanças no tabuleiro geoestratégico da Ásia e do Pacífico. Agora, outras potências já organizam mecanismos de defesa contra eventuais ataques de Beijing.
O Japão, que resistia a participar de iniciativas de segurança com nações ocidentais, vai cooperar com os chamados “Cinco Olhos”, aliança de inteligência entre EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.
A incorporação japonesa à iniciativa seria “um pilar crucial da segurança indo-pacífica”, avalia o especialista.
Também surgem outras iniciativas de colaboração, que envolve Japão, Austrália, Índia e EUA. O exercício estratégico naval Malabar, liderado por Nova Délhi, pode ter os australianos como participantes pela primeira vez.
O retorno de hoje mais expressivo crítico de Beijing no Pacífico, que havia se retirado do Malabar em 2008, seria uma resposta do governo Modi aos conflitos entre tropas indianas e chineses em Ladakh, no Himalaia.
Após dezenas de mortos e ameaças de invasão que relembraram a guerra Sino-Indiana de 1962, a Índia já não faz questão da calma chinesa. O país assinou acordos de ajuda com EUA e Austrália, e o próximo deve ser o Japão.
Tóquio, por sua vez, agora compartilha inteligência secreta com Austrália, Índia e Reino Unido, além dos EUA. A meta é fortalecer a posição militar do arquipélago a despeito de sua Constituição pacifista, de 1947.
Pontos de divergência
Para fortalecer esses canais de cooperação nessa frente de proteção contra a força bruta da China, será preciso alinhar objetivos nem sempre em compasso. Índia e Japão, por exemplo, são dois países onde existe possibilidade real de conflito direto.
Não é o caso dos EUA, argumenta o especialista. Para os norte-americanos, a meta é contrapesar o cada vez mais evidente espaço ocupado pela primazia chinesa nos campos geopolítico e econômico, além das divergências ideológicas insuperáveis entre os dois países.
A Austrália fica no meio do caminho. Compartilha valores e cultura próximas às norte-americanas e pretende mantê-las. Porém, depende dos chineses, já que o país é responsável pela compra de um terço das exportações australianas todo ano.
Por isso, embora as críticas sejam cada vez mais frequentes, a própria chanceler, Marie Payne, já afirmou que a Austrália “não tem intenção de prejudicar” sua relação com a China.
Para Chellaney, é aconselhável que as potências regionais na Ásia e no Pacífico alinhem rápido seus interesses. Xi não faz questão de ser querido, e pode causar uma guerra para garantir seus interesses enquanto o custo destes não se tornar alto demais.
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