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domingo, 18 de outubro de 2020

Corrupção e truques voltam à rotina de quem precisa de dólares na Argentina

Na Argentina, a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo de dólares já chega a 100%. Segundo o governo, são necessários cerca de 78 pesos para receber US$ 1. Na boca do caixa, porém, o valor já supera os 178 pesos, batendo um recorde de 30 anos.

Esse descompasso cambial gera inflação reprimida, faz com que investidores adiem decisões e exportadores segurem a liquidação de suas divisas. Isso porque os agentes passam a esperar uma desvalorização da moeda, o que gera ainda mais desconfiança no mercado.

A Argentina vive uma situação de forte controle cambial, derivado da crise econômica e do endividamento do país. O estoque de dívida externa total do país chega a US$ 270 bilhões, segundo dados de setembro deste ano.

Corrupção e truques voltam à rotina de quem precisa de dólares na Argentina
Valor do peso argentino é cada vez mais baixo ante o dólar, sobretudo na taxa paralela que domina o mercado de câmbio no país (Foto: Flickr/ Proimos)

Câmbio centralizado

Sem dólares suficientes para cumprir compromissos com o exterior, realizar importações e trocas para investidores de saída, remessas e cidadãos com viagem marcada, o governo implementa medidas para controlar a saída de moeda forte.

As reservas do país – ou o que o Banco Central tem em caixa para realizar essas trocas – são de US$ 40 bilhões, segundo dados do último dia 8. Pela falta da moeda, entre 2011 e 2015, os argentinos passam a conviver com o cepo, ou controle cambial, no cotidiano.

Na prática, há cerca de dez taxas de câmbio, a depender de quem vende e de quem compra a moeda estrangeira. Há o dólar “mayorista”, para operações comerciais em atacado, e o “nación”, para contratos.

Também há a taxa “solidária”, sobre a qual incide imposto de 30% e usada em passagens aéreas e compras no exterior. Uma variante desta, para pagar serviços como Netflix e Airbnb, é de apenas 8%.

Também há cotações específicas para exportadores de soja, vinho, carne e milho. O valor inclui as chamadas retenciones, com alíquotas que incidem sobre os diferentes produtos.

Mercado informal

Quem depende do mercado paralelo tem que se dirigir a uma casa de câmbio clandestina, a cueva. Ali é negociada a compra e venda do chamado “dólar blue“, o paralelo, em total informalidade.

Turista no bairro de La Boca, em Buenos Aires, na Argentina; imagem é de 2015 (Foto: Flickr/Kevin Dooley)

Além de pagar mais, leva preferência quem fizer a troca com dinheiro em espécie. Não há controle do governo nem dos bancos, o que aumenta as chances de golpe. Compensa para os turistas, que podem negociar em quase qualquer lugar taxas mais vantajosas para seus dólares, escassos por ali.

Já argentinos privilegiados acessam o mercado de câmbio por meio do “dólar MEP”, ou “dólar Bolsa”. Neste caso, as divisas são negociadas via compra e venda de ações e títulos e podem chegar a 145 pesos.

Como em qualquer processo de controle cambial, o governo passa a priorizar empresas e setores cujas trocas com o exterior são fundamentais para o funcionamento da economia. Insumos de saúde, equipamentos e produtos alimentícios básicos são alguns exemplos.

‘Haciendo el rulo’

Assim, surgem modalidades ilícitas de negócio para garantir a taxa mais generosa para os dólares na Argentina. A triangulação na hora de realizar uma importação é uma delas.

Ao importar um lote de produtos, o empresário paga a uma empresa fantasma para “hacer el rulo”, ou reintegrar esses dólares pela taxa MEP ou outras mais vantajosas e receber até o dobro. As autoridades ainda não conseguiram suprimir a prática, tão comum que é explicada em tutoriais de fácil acesso na internet.

Na sequência, basta garantir uma parte do valor ao funcionário do governo que supervisiona a importação, como propina. Em cepos anteriores, a cobrança era de 15%, segundo o portal Infobae. Agora, chega a 50%.

Com a diminuição das reservas em dólares do país, que desde 17 de janeiro deste ano caíram de US$ 45,4 bilhões para US$ 41,3 bilhões, a expectativa é a de que as manobras deem lugar ao contrabando. A diminuição acende um alerta nas autoridades porque acontece mesmo em meio a um superávit comercial, o que deveria controlar a sangria de divisas.

E o descompasso entre as taxas de câmbio ainda não bateu o recorde do país: em 1989, a difereça chegou a 215%, como observou a “Bloomberg“, citando o livro de referência “História Econômica da Argentina”, de Sonia e Domingo Cavallo.

O autor, ministro do ex-presidente Carlos Menem, foi o responsável pelo plano de conversibilidade do país aprovado dois anos depois, que levou na prática à dolarização no dia a a dia dos argentinos.

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