A Justiça da Rússia condenou a 22 anos de prisão o jornalista Ivan Safronov, acusado de traição. Trata-se do primeiro profissional de imprensa condenado por tal crime no país desde 2001, segundo informações do jornal independente The Moscow Times.
A promotoria havia pedido a condenação de Safronov a 24 anos de prisão, e a defesa promete recorrer mesmo diante da sentença inferior à pena máxima. O jornalista foi bastante aplaudido por apoiadores durante a leitura do veredito, com gritos de “liberdade” proferidos dentro do tribunal.
Nas redes sociais, defensores dos direitos humanos se manifestaram em favor do acusado, contestando o resultado. Foi o caso do advogado Pavel Chikov, que falou pelo aplicativo de mensagens Telegram. “Ivan Safronov foi condenado a uma punição selvagem e demonstrativamente cruel, que reflete as realidades atuais na Rússia”, disse.
Ivan Pavlov, antigo advogado do jornalista, contestou a sentença dizendo que “qualquer pena de prisão, mesmo um ano, seria demais”. O causídico também passou a ser investigado pelas autoridades russas e por isso deixou o país rumo à Geórgia, cujo governo faz oposição a Moscou.
Os advogados que defendem Safronov disseram na semana passada, no Telegram, que mesmo as testemunhas de acusação admitiram ao tribunal que o acusado “não infringiu a lei e não descobriu segredos de Estado”.
As acusações
Safronov foi acusado de repassar às inteligências da República Tcheca e da Alemanha dados sobre a venda de armas pelo governo russo na África e no Oriente Médio. A Justiça alega que ele teria recebido em troca dos tais segredos militares US$ 248 (cerca de R$ 1,25 mil, em valores atuais), acusações que o réu diz serem politicamente motivadas.
O jornalista, que por muito tempo trabalhou na cobertura de assuntos de segurança, posteriormente ocupou o cargo de assessor de Dmitry Rogozin, antigo chefe da Roscosmos, a agência aeroespacial russa.
Na semana retrasada, o site investigativo russo Proekt (Projeto, em tradução literal) publicou uma reportagem sobre o caso. A constatação do veículo, com base em documentos oficiais usados pela promotoria, é a de que as acusações contra o jornalista são “infundadas”, segundo a rede Radio Free Europe.
Um dos argumentos para descredenciar a denúncia é o fato de que a Justiça russa não conseguiu localizar nenhum funcionário público que poderia ter entregado os tais documentos confidenciais a Safronov. Também não há qualquer indício de que Laris e Voronin tenham ligações com os serviços secretos tcheco e alemão.
Em sua defesa, Safronov tem dito repetidamente que foi julgado e condenado pelos simples fato de ter feito um bom trabalho jornalístico.
Por que isso importa?
Na Rússia, a vida de quem faz oposição ao presidente Vladimir Putin já não era fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Desde a invasão, no dia 24 de fevereiro, o desafio aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova, que foi detida outras vezes depois disso, pediu demissão e diz que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Ela foi colocada em prisão domiciliar, será julgada e pode ser condenada a uma pena de até dez anos de prisão.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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