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terça-feira, 20 de setembro de 2022

Polêmico projeto de mineradora chinesa no Brasil avança e deve sair do papel em até dois anos

O Projeto Bloco 8, um megaempreendimento de mineração no norte de Minas Gerais orçado em US$ 3,5 bilhões e alvo de intenso debate quanto à viabilidade ambiental, avançou nos últimos meses e deve sair do papel em até dois anos. A Sul Americana de Metais (SAM), uma empresa de capital chinês ligada à Honbridge Holdings, realiza atualmente os procedimentos ambientais e prevê obter todas as licenças até 2024, tendo já recebido em junho deste ano a aprovação da ANM (Agência Nacional de Mineração).

O que vinha travando o projeto até este ano era o impacto ambiental que ele causará às comunidades locais, sobretudo o alto consumo de água em uma região semiárida. O projeto engloba uma mina de minério de ferro e duas barragens de rejeitos, orçados em US$ 2,1 bilhões, além de um mineroduto de 482 quilômetros avaliado em mais US$ 1,4 bilhão.

Uma das principais preocupações ambientais é o impacto a 70 nascentes de água em uma região que já sofre com a seca. O mineroduto tende a contaminar a água com metais de mineração, atingindo famílias que vivem do extrativismo e da agricultura familiar. Há ainda a barragem, que tem cerca de cem vezes o tamanho daquela que se rompeu e destruiu Brumadinho em janeiro de 2019, matando 270 pessoas.

Os problemas, porém, têm sido contornados pela SAM. Após receber sinal verde da ANM, a mineradora agora está focada na obtenção de mais duas licenças ambientais, que devem sair até 2023, e no posterior desenvolvimento da engenharia básica, esta com projeção de durar mais um ano. Feito isso, entrará em fase de implementação efetiva, cujo prazo é de três anos.

Extração de minério de ferro (Foto: Pixabay)
Registro no Ibram

Desde 2020 o projeto está registrado no Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), organização privada e sem fins lucrativos que conta com mais de 120 associados do setor de mineração. Entretanto, a empresa não participou das rodadas de negócios da Exposibram 2022, realizada em Belo Horizonte, entre 12 e 15 de setembro deste ano, e que envolveu outras 17 mineradoras e 189 fornecedores, movimentando em torno de R$ 7 bilhões.

O Projeto Bloco 8 havia sido abordado pelo Instituto em um artigo de abril de 2021, que trata das tecnologias sustentáveis aplicadas ao empreendimento. “As inovações tecnológicas, aliadas a sustentabilidade ambiental, dão a tônica deste projeto”, diz o documento, que descreve detalhes do megaprojeto e expõe argumentos focados em dirimir as dúvidas ambientais e de segurança.

“A SAM dispõe de tecnologias que serão utilizadas visando reutilizar o máximo possível de
água que foi empregada no processamento anterior, havendo uma taxa de reutilização
prevista de água em 94 %”, diz um dos trechos do artigo, abordando a principal questão ambiental envolvida.

Projetos da China

Nos últimos anos, têm sido frequentes os problemas em projetos de mineração de empresas chinesas mundo afora, sobretudo na África. E, embora a SAM seja devidamente registrada no Brasil, com CNPJ ativo desde 2006, ela tem dois cidadãos chineses como sócios, Jin Yongshi e Liu Wei. Ambos também estão listados como executivos da chinesa Honbridge Holdings, de Hong Kong. O paralelo entre os casos registrados no exterior e o projeto em desenvolvimento no Brasil é inevitável.

Em 2009, moradores da região de Marange, no Zimbábue, foram retirados de suas terras pelo governo para dar lugar a empresas de mineração chinesas. Em julho do ano passado, surgiram relatos de que os deslocados vivem em uma área do governo que não oferece sequer água potável.

Um representante do grupo disse na ocasião que, embora a responsabilidade pelos cidadãos seja do governo, a mineradora também deve ser cobrada. “Quando se trata de recursos naturais e governança, as empresas de mineração devem assumir a responsabilidade e garantir que as comunidades onde operam tenham acesso a informações, assistência médica e outras necessidades básicas”, disse Tawanda Mufute.

Já em setembro de 2021, o governo da República Democrática do Congo anunciou que iria revisar um bilionário acordo de mineração estabelecido com investidores da China. Maior produtor mundial de cobalto e líder em exploração de cobre entre as nações africanas, o país alega que os acordos não são suficientemente favoráveis.

A China é dona de cerca de 70% dos acordos de mineração no país africano, superando a concorrência de empresas ocidentais em grandes projetos. Três empresas da China concentram os principais acordos de mineração da RD Congo, todos contestados pela falta de transparência.

Campo de mineração de Tenke Fungurume, na RD Congo (Foto: reprodução/Linkedin)

Já neste ano, em março, os militares que assumiram o poder na Guiné, após o golpe que derrubou o ex-presidente Alpha Condé, paralisaram as operações no projeto Simandou, considerado um dos maiores depósitos de minério de ferro do mundo. Beijing tem participação de 40% no consórcio, atrás apenas da anglo-australiana Rio Tinto, com 45%.

A obra vinha sofrendo atrasos devido a disputas sobre a propriedade e à lentidão na construção de uma ferrovia de 650 quilômetros que transportaria os elementos extraídos para os portos guineenses. Já o presidente interino Mamady Doumbouya alegou não estar claro como a mina teria contribuído para os interesses da nação africana. 

Huawei no Projeto Bloco 8

A presença da China no empreendimento em Minas Gerais não se estringe ao capital chinês da SAM e aos dois sócios. A Huawei, empresa de telecomunicações, firmou em 2020 um acordo para desenvolver tecnologia de mineração não tripulada e aplicação efetiva de 5G na operação do Projeto Bloco 8. 

“Esta iniciativa sela nossa cooperação e otimiza a operação do Projeto Bloco 8, promovendo o acesso às vantagens da tecnologia 5G com alta largura de banda e baixa latência, melhorando a precisão e a estabilidade do controle não-tripulado de equipamentos de mineração e a aplicação do 5G na mineração em larga escala”, disse Jin há cerca de dois anos, segundo o site Conexão Mineral

O problema é que a Huawei enfrenta crescente desconfiança global justamente na construção de redes 5G, com sua presença rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, baniram a infraestrutura da fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem

A desconfiança é baseada na suposta proximidade da companhia com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar a gigante da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).

No Brasil, o aumento da presença da Huawei na rede de telefonia vai na contramão da tendência global. São da empresa chinesa mais de 80% das antenas que retransmitem sinal das atuais redes 2G, 3G e 4G brasileiras. E, de acordo com conteúdo patrocinado publicado em portais como O Globo em maio de 2021, a companhia dizia ser responsável por mais de cem mil quilômetros de fibra óptica no país.

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