Até o começo da semana passada, as manifestações antiguerra na Rússia haviam perdido força a ponto de terem praticamente desaparecido das ruas. As leis repressivas impostas pelo governo expulsaram do país muitos ativistas, e aqueles que permaneceram vinham conseguindo se manifestar apenas de forma isolada e muitas vezes discreta. O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada na última terça-feira (20) pelo presidente Vladimir Putin. De lá para cá, uma nova onda de protestos teve início e levou a mais de duas mil detenções, em meio à insatisfação generalizada com o recrutamento forçado de cidadãos para lutar na Ucrânia. O sistema desagradou inclusive aliados do Kremlin, incomodados com a logística confusa e a ineficiência do processo.
Entre quarta (21) e domingo (25), a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou 2.352 detenções em protestos contra a mobilização militar. A própria entidade alerta que o número real tende a ser bem maior, vez que divulga apenas os dados referentes a nomes que conseguiu confirmar, com base em listas fornecidas pelas autoridades, e que recebeu autorização para divulgar.
Em todo o país, nos últimos dias voltaram a ser comuns as cenas de policiais usando a força para deter manifestantes nas ruas, algo que não vinha acontecendo mais nos dias e semanas anteriores. Em meio aos novos protestos, também surgem casos de centros de recrutamento incendidos pela população.
Na região de Irkustk, na Sibéria, autoridades locais relataram que um oficial de recrutamento foi gravemente ferido a bala por um manifestante que também incendiou o escritório onde atuava o funcionário do governo, de acordo com a rede Radio Free Europe (RFE). Um vídeo publicado no aplicativo de mensagens Telegram mostra o que seria o momento do ataque, com o homem baleado sendo retirado por socorristas.
Episódio parecido ocorreu na cidade de Uryupinsk, na região de Volgogrado. Ali, um cidadão usou um coquetel molotov para atear fogo em um centro de recrutamento, mas o incêndio foi rapidamente contido. O autor do ataque foi identificado como sendo Mikhail Filatov, que inclusive anunciou a ação com uma foto do artefato incendiário na rede social russa VK: “Cada um protesta da maneira que acha correta”, disse ele.
Fuga e erros de logística
Muitos cidadãos em idade de recrutamento optaram por deixar o país, com relatos de fronteiras lotadas em países vizinhos como Geórgia, Mongólia e Cazaquistão. A Finlândia, que nos próximos dias colocará em vigor um processo para restringir a entrada de cidadãos russos, disse que registrou o final de semana mais movimentado em seus postos de fronteira, segundo o jornal independente The Moscow Times.
“A taxa de chegada é cerca do dobro do que era há uma semana”, disse Mert Sasioglu, que atua na guarda de fronteira finlandesa e falou ainda sobre os preparativos para quando as novas regras entrarem em vigor. “É possível que, quando as viagens forem restringidas, as tentativas de travessias ilegais de fronteira aumentem”, explicou.
Voos da Rússia para países como Armênia, Turquia e Azerbaijão, que fazem fronteira com o território russo e não exigem visto de entrada, rapidamente se esgotaram. Outras rotas tiveram um grande aumento de preço, com alguns destinos, como Dubai, superando os 170 mil rublos (R$ 14 mil) para um voo somente de ida.
Mesmo importantes figuras pró-Kremlin têm encontrado motivos para condenar a mobilização. Não pelo que ela é, mas pela forma como vendo sendo feita. Margarita Simonyan, editora-chefe da emissora estatal RT (antiga Russia Today), contestou a péssima logística, com cidadãos acima dos 40 anos recebendo cartas de convocação, sendo que a lei permite apenas a convocação daqueles até os 35 anos.
“Eles estão enfurecendo as pessoas, como se de propósito, como se por despeito”, disse Simonyan sobre as autoridades por trás do projeto, segundo a RFE.
Críticas também partiram de políticos governistas, como a legisladora Valentina Matviyenko, presidente do Conselho da Federação da Rússia. Através do Telegram, ela contestou o fato de que muitos homens inelegíveis têm sido convocados.
“Esses excessos são absolutamente inaceitáveis. E considero absolutamente certo que estejam provocando uma forte reação na sociedade”, escreveu ela.
Vyacheslav Volodin, presidente da Duma do Estado, confirmou que “reclamações estão sendo recebidas” e igualmente cobrou uma ação.
“Se um erro é cometido, é necessário corrigi-lo”, disse ele. “As autoridades em todos os níveis devem entender suas responsabilidades”.
O governo admitiu os problemas. “De fato, há casos em que o decreto (de mobilização) foi violado. Em algumas regiões, os governadores estão trabalhando ativamente para corrigir a situação”, disse o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov.
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