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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Doadores na eleição passada devem R$660 milhões por crimes ambientais na Amazônia

capa_Doadores na eleição passada devem R$660 milhões por crimes ambientais na Amazônia_Vinícius Mendonça Ibama

Como revelado pela Agência Pública, candidatos às eleições deste ano acumulam R$84 milhões em multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Crimes contra o meio ambiente também se espalham pelo histórico de doadores de campanha, como mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levantados pelo jornal O Globo: até o momento, multados pelo Ibama doaram R$10,4 milhões a candidatos nesta eleição. Mas se o olhar se volta para quem financiou campanhas na corrida eleitoral de 2018, surge um valor muito maior.

Segundo uma análise obtida com exclusividade pela Pública, doadores no pleito de 2018 respondem por uma dívida de R$660 milhões em multas do Ibama, fossem por irregularidades ambientais de pessoas físicas ou de sócios em empresas autuadas pelo governo.

Até fevereiro de 2022, o Ibama havia aplicado 897 multas contra doadores nas eleições passadas, considerando apenas infrações ocorridas na Amazônia. Embora a maior parte destas autuações tenha sido quitada, o valor pago, de fato, é irrisório – menos de 1% do total, de R$667 milhões em multas cadastradas no sistema do governo.

Os dados acima estão contidos em um levantamento feito pelo instituto de pesquisa independente Plataforma Cipó com o estúdio de inteligência em dados Lagom Data. Consultado pela Pública, o material mergulha nas relações entre pessoas e empresas responsáveis por crimes ambientais – com multas ou que tiveram parte de suas terras embargadas – e o financiamento eleitoral para cargos executivos e legislativos em todo o Brasil em 2018.

Para a co-fundadora e diretora de Programas da Plataforma CIPÓ Maiara Folly, o não pagamento das multas ambientais ligadas a doadores nas eleições passadas se deve “à expectativa de que tais multas não serão cobradas, sobretudo diante da possibilidade de prescrição”.

“Essa é uma realidade que tem se agravado desde o início do governo Bolsonaro, que introduziu uma série de empecilhos à aplicação e cobrança de multas ambientais”, afirma a diretora da plataforma Cipó.

De acordo com o mesmo material, nas eleições passadas, 422 candidatos receberam verbas de campanha de pessoas e sócios de empresas responsáveis por crimes ambientais na Amazônia. Destes, 156 – pouco mais de 35% – se elegeram, considerando todas as unidades da federação.

Naquele pleito, infratores ambientais doaram quase R$22,5 milhões para candidaturas à Presidência da República, ao Congresso Nacional, a assembleias legislativas e a governos estaduais. Para Folly, “o financiamento eleitoral faz parte da gama de fatores que podem influenciar tentativas de enfraquecimento da legislação ambiental brasileira”.

“Embora não seja crime receber doações de infratores ambientais, candidatos e seus partidos deveriam fazer uma avaliação mais rígida das implicações práticas, éticas e morais de receber [verbas] de pessoas responsáveis por crimes contra o meio ambiente – sobretudo em casos de danos ambientais graves e de infratores recorrentes”, afirma a diretora da plataforma Cipó.

Em 2018, maiores doações de punidos pelo Ibama foram para governadores eleitos na Amazônia

Mais da metade dos R$660 milhões em dívidas ambientais junto à União refere-se a crimes em um único ponto da Amazônia: o Pará. No reduto político da família Barbalho, financiadores de campanhas em 2018 acumulam R$338 milhões em multas do Ibama.

Então eleito e atual candidato à reeleição, Helder Barbalho (MDB) é um dos governadores que mais recebeu doações de infratores ambientais. Filho e natural herdeiro político do senador Jader Barbalho (MDB), ele recebeu R$100 mil de dois infratores na Amazônia – os pecuaristas Antônio Lucena Barros e Claudiomar Vicente Kehrnvald, cada qual doando R$50 mil à campanha. Ambos possuem um histórico controverso na região.

Um homem branco de terno aparece no centro da imagem
Helder Barbalho (MDB) é um dos governadores que mais recebeu doações de infratores ambientais

Segundo a ONG Greenpeace, o fazendeiro Antônio Barros, o “Maranhense”, é um “velho conhecido” da fiscalização ambiental. De acordo com o Ibama, Barros acumula 23 multas por desmatamento ilegal, com a maior parte delas não paga até o fechamento desta reportagem. As autuações referem-se a crimes ambientais ocorridos em São Félix do Xingu (PA), abrigo do maior rebanho bovino do país.

Já Claudiomar Kehrnvald, o “Mazinho”, esteve ligado a um nebuloso caso de envenenamento de famílias camponesas por abuso de agrotóxicos no Pará. Segundo denúncia da Repórter Brasil, um avião teria lançado substâncias tóxicas sobre terras ocupadas por camponeses enquanto sobrevoava uma fazenda ligada a “Mazinho”.

O episódio se deu em Pau D’Arco (PA), município marcado por uma chacina de dez pessoas ocorrida durante uma operação das polícias Civil e Militar do Pará em 2017. À época da matéria da Repórter Brasil, o doador da campanha de Helder Barbalho não comentou o caso.

Na eleição passada, 19 dos 27 governadores eleitos em todo o país contaram com verbas de pessoas físicas e sócios de empresas autuadas pelo Ibama. Quanto aos valores, quatro dos cinco que mais receberam este tipo de recurso acabaram eleitos na Amazônia – em Mato Grosso, Acre e Tocantins, além do próprio Pará.

O governador que mais recebeu doações de infratores ambientais foi o atual candidato à reeleição em Mato Grosso, Mauro Mendes (UNIÃO). Ex-prefeito de Cuiabá que fez carreira como empresário, nos setores de energia e de mineração de ouro, ele recebeu mais de R$1 milhão em doações do tipo.

Para além dos políticos, a Amazônia também se destaca quanto aos maiores doadores com punições junto ao Ibama. É o caso de um ruralista gaúcho que fez carreira cultivando arroz em Roraima, Genor Luiz Faccio, um dos vinte infratores ambientais com as maiores doações de campanha em 2018.

Nove homens brancos sorriem para a foto
Genor Faccio e diretoria da Aprosoja-RR em 2021

Velho conhecido dos fiscais do Ibama, Faccio acumulou sete multas por irregularidades ambientais em suas fazendas em Roraima, entre 2005 e 2019. A maioria das punições refere-se a crimes contra a flora, a categoria do desmatamento ilegal, e, para se ter ideia, somente uma delas – aplicada em 2009 – supera R$13,6 milhões ainda não pagos aos cofres da União.

Atualmente na diretoria da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) em Roraima, Genor Faccio é um dos protagonistas do emblemático caso da Terra Indígena Raposa da Serra do Sol, como registra o Supremo Tribunal Federal. O caso serve de âncora à tese do “marco temporal”, que ameaça a demarcação de territórios em todo o país.

A trajetória do fazendeiro não o impediu de aproximar-se do poder público no estado. Em 2018, Faccio foi um dos principais doadores à campanha vitoriosa no estado, de Antônio Denarium (PP), atual candidato à reeleição.

Naquele pleito, Denarium recebeu R$334,5 mil em doações de Genor Faccio, seu sócio há mais de dez anos num dos maiores frigoríficos de Roraima, o Frigo 10. Para se ter ideia, a soma supera o investido pelo próprio governador na candidatura, conforme o Tribunal Superior Eleitoral.

Um homem branco e de cabelos brancos de terno aparece no centro da imagem
Luis Carlos Heinze foi o maior beneficiado por doações de pessoas e empresas ligadas a crimes ambientais em 2018

Um em cada dez membros da bancada ruralista recebeu doações de infratores ambientais em 2018

Não é apenas proximidade ideológica com o bolsonarismo que explica o apoio dos 280 membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a bancada ruralista, às ‘boiadas’ legislativas dos últimos três anos. Veja, por exemplo, o caso do senador Luis Carlos Heinze (PP), licenciado do cargo para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul em 2022.

O levantamento obtido pela Pública coloca Heinze em destaque: entre os atuais membros da FPA, ele foi o maior beneficiado por doações de pessoas e empresas ligadas a crimes ambientais em 2018. O político recebeu R$225 mil dos irmãos Eduardo e Jorge Logemann, mandatários na SLC Agrícola.

Entre 2003 e 2004, a agroempresa – hoje associada a bilionários fundos de investimento estrangeiros – foi multada por crimes contra a flora em Buritirana (MA), nas fronteiras da soja no Cerrado. Desde então, foi alvo de uma série de denúncias, como desmatamento de áreas nativas no mesmo bioma e abuso de água no oeste baiano – um caso denunciado pela Pública.

Não surpreende que Heinze, enquanto vice-presidente da FPA no Senado, tenha proposto uma lei que pode beneficiar agronegócios irrigados no país – tais como os da SLC na Bahia. Trata-se do projeto nº 1282/2019, que libera a construção de reservatórios de água para projetos de irrigação em áreas de preservação permanente à beira de rios em todo o Brasil.

Heinze também lida com outra proposta favorável a agroempresas como a SLC. No Senado, ele relata o projeto de lei de autocontrole sanitário do agronegócio no país. Conforme o site Canal Rural, entidades de fiscais agropecuários têm criticado a proposta – já aprovada na Câmara – por entenderem que ela “não define até onde vai o poder do estado e até onde vai o da atividade privada”.

O atual presidente da FPA, o deputado paranaense Sérgio Souza (MDB), e seu antecessor, o deputado gaúcho Alceu Moreira (MDB), também estão entre os membros da bancada financiados por infratores ambientais em 2018. Somados, eles receberam R$75 mil de pessoas multadas pelo Ibama e, em 2022, ambos tentam a reeleição.

Há quatro anos, os R$75 mil doados a Sérgio Souza e Alceu Moreira vieram de empresários punidos por desmatamento ilegal em municípios tomados pelo gado e pela soja no Mato Grosso: Alto Garças, Paranatinga e Sorriso – a última, apelidada de ‘capital do agronegócio’ no Brasil.

“Avançamos com a lei dos pesticidas, licenciamento ambiental, regularização fundiária, temas que estavam travados há dez, vinte anos”, disse o atual presidente da bancada ruralista em um evento com a nata do agro e o presidente Jair Bolsonaro (PL) em Brasília, no último dia 10 de agosto. “A nossa sintonia com o Congresso Nacional e com o Poder Executivo é essencial para essas conquistas”, também afirmou Souza.

Os episódios acima não representam casos isolados na FPA. Ao todo, 33 dos atuais membros da bancada ruralista, incluindo senadores e deputados federais, receberam cerca de R$1,5 milhão de pessoas físicas e sócios de empresas autuadas por crimes ambientais – alguns também com áreas embargadas pelo Ibama na Amazônia – na última eleição.

Ou seja, aproximadamente um em cada dez membros da FPA eleitos em 2018 contou com doações de infratores ambientais punidos pelo Ibama.

A Pública contatou todos os candidatos citados acima, para lhes perguntar sobre suas relações com os infratores ambientais que contribuíram com suas campanhas em 2018. Até o fechamento deste texto, porém, nenhum deles se manifestou.



source https://apublica.org/2022/09/doadores-na-eleicao-passada-devem-r660-milhoes-por-crimes-ambientais-na-amazonia/

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