Em busca de segurança e melhores perspectivas de vida, cidadãos afegãos que fogem da crise econômica e da repressão imposta pelo Taleban têm sido recebidos com intolerância e mais violência ao buscar refúgio em países vizinhos. Relatório publicado na quarta-feira (31) pela ONG Anistia Internacional acusa Irã e Turquia, dois destinos habituais, de abrirem fogo contra deslocados que tentam cruzar a fronteira.
O documento foi formulado com base em testemunhos de 74 pessoas que tentaram deixar o Afeganistão e acabaram expulsas do Irã e da Turquia. Dessas, 48 relataram recepção violenta e nenhuma conseguiu sequer registrar o pedido de asilo nos países de destino.
“Documentamos como as forças de segurança iranianas mataram e feriram ilegalmente dezenas de afegãos desde agosto passado, inclusive disparando repetidamente contra carros lotados”, disse Marie Forestier, pesquisadora de direitos de refugiados e migrantes da Anistia. “Os guardas de fronteira turcos também usaram ilegalmente munição real contra os afegãos, disparando para o ar para repelir as pessoas e também atirando contra elas em alguns casos”.
Oito pessoas deportadas da Turquia disseram ter sido pressionadas a assinar documentos afirmando que estavam partindo voluntariamente. Há relatos de pessoas que chegaram a desmaiar quando souberam que estavam sendo devolvidos ao Afeganistão, e um homem tentou cometer suicídio pulando de uma janela.
Segundo a ONG, para que a situação dos afegãos melhore, é fundamental uma mobilização internacional, inclusive com apoio financeiro aos países de destino, como os próprios Irã e Turquia.
Até agora, entretanto, parece ocorrer o oposto. A Anistia destaca o caso da União Europeia (UE), que forneceu dinheiro a Ancara para erguer um muro na fronteira afegã, dificultando assim o acesso dos deslocados. Também foram construídos centros de remoção onde afegãos têm sido detidos, igualmente com verba europeia.
“A Comissão Europeia deve garantir que o financiamento relacionado à migração e ao asilo para a Turquia não contribua para violações dos direitos humanos. Se a UE continuar a financiar centros de detenção onde os afegãos são detidos antes de serem devolvidos ilegalmente, corre o risco de ser cúmplice dessas violações terríveis”, disse Forestier.
Por que isso importa?
Enquanto o Taleban busca, até agora sem sucesso, reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão, o país continua marginalizado da comunidade internacional e afundado na miséria.
Centenas de milhares de afegãos fugiram de seu país desde que o Taleban assumiu o poder em agosto de 2021. Entre os que permaneceram, a situação é terrível. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), quase 23 milhões de pessoas receberam pelo menos uma forma de assistência humanitária no país desde agosto do ano passado.
Diante desse cenário, o reconhecimento do governo fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. Em meio à crise profunda que os afegãos enfrentam, os Estados Unidos liberaram para ajuda humanitária, em fevereiro de 2022, US$ 3,5 bilhões em ativos congelados do Banco Central do Afeganistão em solo norte-americano.
Quando o governo afegão se dissolveu, com altos funcionários deixando o país, incluindo o presidente e o governador interino do banco central, ficaram para trás pouco mais de US$ 7 bilhões em ativos depositados no Federal Reserve Bank dos EUA. Como não estava mais claro quem tinha autoridade legal para obter acesso a essa conta, os fundos tornaram-se indisponíveis para saque.
Washington congelou os fundos afegãos mantidos nos EUA após o Taleban tomar o poder. Ultimamente, o governo Biden vinha sendo pressionado a disponibilizar o dinheiro sem reconhecer o regime do Taleban, que alega ser o dono do dinheiro. O valor, então, acabou liberado, com a outra metade destinada a pagar indenizações às vítimas dos ataques de 11 de setembro.
O Afeganistão tem mais US$ 2 bilhões em reservas, depositados em países como Reino Unido, Alemanha, Suíça e Emirados Árabes Unidos. A maioria desses fundos também está congelada.
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