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domingo, 22 de novembro de 2020

Entenda o conflito étnico que caminha para uma guerra civil na Etiópia

A linha do tempo do conflito étnico que pode colocar a Etiópia em uma guerra civil pode ser traçada a partir de 1991. Naquele ano, a derrubada do ditador Mengistu Haile Mariam aconteceu por via das lideranças do povo tigré, que vive no centro-norte do país.

Mesmo com auxílio da vizinha Eritreia, Mariam foi derrotado por um movimento oposicionista multiétnico liderado pelos tigrés e fugiu às pressas para o Zimbábue. Os tigrés foram considerados heróis nacionais.

O país, de 109 milhões de habitantes, reúne mais de 80 povos e havia passado por um período de fome tão grave que ceifou a vida de um milhão de etíopes em apenas dois anos, entre 1983 e 1985. A miséria era usada como arma de guerra pelo ditador.

Foram quase 30 anos de domínio tigré na política etíope, até a chegada de Abiy Ahmed ao posto de primeiro-ministro em 2018.

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, em pronunciamento no parlamento etíope em 19 de outubro de 2020 (Foto: Facebook/Abiy Ahmed)

Afastados do governo, os tigrés escalam tensões contra o governo em Adis Abeba em um conflito que chegou a seu ponto alto no último dia 4, com ataques federais à região. O governo alegou retaliação contra um suposto ataque a uma de suas bases no território, onde houve roubo de armas.

No último domingo (16), o presidente regional de Tigré, Debretsion Gebremichael, confirmou que as tropas locais haviam lançado mísseis contra Asmara, capital da Eritreia. Para as lideranças locais, o governo do país vizinho estaria envolvido no conflito.

Agora, o país se aproxima de uma guerra civil e os dois lados acusam-se de serem lideranças “ilegais”. Se não for controlada, a tensão étnica etíope pode partir o país e transforma-se em uma crise que afetará todo o Chifre da África, porção nordeste do continente.

Efeito cascata

À beira de uma crise humanitária, a fronteira entre Etiópia e Sudão já havia recebido mais de 32 mil pessoas em fuga até quinta (19), segundo a Acnur (Agência das Nações Unidas para Refugiados). É o fluxo mais acentuado de etíopes rumo ao território sudanês em 20 anos.

O governo do Sudão estima que o número de deslocados por chegar a 200 mil, de acordo com apuração da agência de notícias Associated Press. Em Tigré, a ONU (Organização das Nações Unidas) relata dificuldades de logística para transportar ajuda para a população desde o início do conflito.

Faltam energia elétrica, recursos e combustível para auxiliar famílias afetadas pelo conflito, de acordo com a ONU. As linhas de internet e telefonia também foram cortadas pelo governo federal – tática para suprimir protestos.

Rua de Adis Adeba, capital da Etiópia (Foto: Sam Effron/Flickr)

O procedimento é comum na Etiópia e foi usado entre junho e julho deste ano, quando manifestantes da etnia oromo foram às ruas exigir a investigação do assassinato do cantor Haacaaluu Hundeessaa, famoso pelas músicas de protesto no estilo conhecido como “geerarsa”.

Identidade pan-etíope

Abiy Ahmed, da etnia oromo, foi alçado à chefia do Governo após chegar a um acordo com a Eritreia e pôr fim definitivo a um conflito dos anos 1990. A iniciativa, que encerrou o frágil armistício com os eritreus – sob o lema “sem paz, sem guerra – rendeu a Abiy um Prêmio Nobel da Paz em 2019.

A coalizão que governava o país, chamada de Front Democrático Revolucionário do Povo Etíope, foi criada nas cinzas de 1991 e era dominada pelos tigrés. Havia agremiações de povos oromo, amhara e do sul do país, consideradas de fachada. Em 2018, é unificada no chamado Partido da Prosperidade, liderado pelo oromo Abiy.

No poder, Abiy foi rápido em remover os tigrés das altas esferas de decisão em Adis Abeba, alegando desvios nos direitos humanos e corrupção. Partido que representava o Tigré, a FLPT (Frente de Libertação Popular) se retira do novo governo após a unificação, em protesto contra a implosão do sistema pós-1991 – definindo o processo como “ilegal e reacionário”.

Em artigo de 2018 para a Al-Jazeera, o especialista em direito Awol K. Allo, etíope e professor da Universidade Keele, nos Reino Unido, apontava que o modelo pan-etíope proposto por Abiy carece de legitimidade em um país que ainda se mobiliza muito por via do nacionalismo étnico.

Pelo mesmo motivo, o arranjo institucional forjado em 1994 tem um caráter de federação multinacional – é, afinal, um Estado que há mais de um século tenta se resolver com as dezenas de povos em seu território.

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