Artigo publicado originalmente no portal Ceiri (Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais).
*por Lauriane Aguirre, graduada em Relações Internacionais pela Unipampa (Universidade Federal do Pampa)
O mês de outubro de 2020 foi marcado pela repercussão da crise de segurança pública e pelos crescentes protestos na Nigéria, os quais atingiram visibilidade mundialmente, por meio da hashtag #EndSARS e do apoio de personalidades.
O movimento esteve entre os assuntos no topo do ranking de buscas na plataforma Google Trends, em 21 de outubro. As manifestações, impulsionadas principalmente pela população jovem nigeriana, foram motivadas pela brutalidade policial atribuída ao Esquadrão Especial Antirroubo, conhecido como Special Anti-Robbery Squad, ou pela sigla SARS.
Faz-se necessário observar que a SARS existe desde 1992, designada para atuar especificamente no combate ao roubo e à atuação de gangues situadas em Lagos. Contudo, foram relatadas pela população uma série de práticas exercidas por oficiais da SARS, a citar a utilização da tortura, extorsão, prisões arbitrárias, entre outros.
O encerramento das atividades da SARS, bem como a libertação de pessoas detidas por protestos tinham sido anunciados após a divulgação de um vídeo de um assassinato atribuído a oficiais, no início do mês de outubro. Entretanto, este anúncio acompanhou a divulgação da criação de outra Força Especial constituída para substituir a SARS.
Inicialmente, as manifestações contra a violência policial de modo geral já ocorriam no país, porém adquiriram força nacionalmente ao longo do mês de outubro (2020) em decorrência da resposta violenta das Forças Especiais aos civis que foram às ruas.
De acordo com a denúncia realizada pela Anistia Internacional, o Exército abriu fogo no dia 20 de outubro contra pessoas que estavam reunidas protestando pacificamente no Posto de Pedágio de Lekki, na cidade de Lagos, resultando em dez mortes, desaparecimentos e a ocultação de provas.
Em resposta à reivindicação da Anistia Internacional por responsabilização e justiça, o Assessor Especial da Presidência para Mídia e Publicidade, Femi Adesina, fez declarações sobre a situação do país.
De acordo com a entrevista de Adesina, que foi veiculado pela emissora Channels Television, a crise observada no país, com o aumento de saques a propriedades, está acompanhada do movimento #EndSARS.
Na interpretação do porta-voz, os protestos causaram a crescente anarquia na Nigéria, o que facilitou a atuação de criminosos devido à falta de lei e ordem proporcionada pelos protestos.
Complementarmente, Femi Adesina ressalta que a tensão precede o ocorrido em Lekki, sendo registrada atuação violenta com depredação por parte de manifestantes, bem como o assassinato de policiais e ataques a delegacias, discordando da perspectiva delineada pela denúncia realizada pela Anistia Internacional.
As Forças Policiais da Nigéria, por sua vez, anunciaram ao final do mês de outubro que soldados foram deslocados à localidade de Lekki para realizar a dispersão da multidão e executar o toque de recolher estabelecido pelo estado de Lagos. Todavia, foi negada a utilização de armas de fogo pelas Forças neste processo.
De acordo com o porta-voz Major Osoba Olaniyi, o destacamento dos soldados ocorreu por solicitação do governo de Lagos, que não conseguiu conter a multidão apenas com o contingente policial local. Em consequência, o governo de Lagos abriu o Painel para o Inquérito Judicial e investigação do caso de violência policial em Lekki.
No início do mês de novembro foram disponibilizados ao Painel o material obtido das câmeras de vigilância e outros documentos da Companhia Concessionária do Pedágio de Lekki. Caso o material seja aceito como prova, será agendada pelo Painel a data para a exibição das provas em audiência pública.
A brutalidade na atuação e a corrupção dentro das Forças Policiais no país, não apenas executada pela SARS, foi reportada por diversas outras Organizações Internacionais de defesa dos Direitos Humanos.
Para tanto, o relatório do Human Rights Watch de 2010 ressalta o caráter corrupto que a polícia nigeriana adquiriu desde o processo de democratização, em 1999.
A democratização propiciou a expansão do contingente policial, porém, este crescimento se deparou com a limitação nos investimentos em treinamento e equipamento.
Somados estes fatores, a corrupção e violência instaurada ao longo dos anos impactaram na perda da credibilidade do serviço de segurança pública, principalmente pelas populações mais pobres. Nesse sentido, a reestruturação da segurança pública nigeriana é um processo multidimensional, que se depara com a necessidade de proteção da população.
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