Políticos governistas e da oposição ouvidos pela Agência Pública avaliam que o presidente Jair Bolsonaro saiu do primeiro turno das eleições municipais deste ano fragilizado. O PSL, que cedeu a legenda para a conquista do mandato e com o qual depois rompeu, triplicou o número de prefeitos eleitos em 2020, saltando de 30 em 2016 para 91 no primeiro turno deste ano. Sem Bolsonaro, a legenda também cresceu nas Câmaras Municipais, passando de 878 vereadores para 1.196
Sem partido e com imagem arranhada pela desastrada gestão, especialmente na pandemia do coronavírus e na política energética cujo retrato são os transtornos do apagão no Amapá, a tendência, segundo os entrevistados, é que Bolsonaro, candidato ou não à reeleição, siga frágil até encerrar seu mandato em 2022.
Nem seus adversários de esquerda falam mais em impeachment, embora 53 pedidos tenham sido protocolados, sem que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tenha até agora indicado que destino dará a eles. Os líderes do PSB, Alessandro Molon (RJ) e do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), ambos signatários de pedidos de impeachment, afirmam que Bolsonaro será derrotado em 2022, como se estivessem convencidos de que a hipótese de afastamento por crime de responsabilidade caiu da agenda. “Não há um entendimento expresso, mas está explícito que existe um acordo tácito para não tirar Bolsonaro por um impeachment, o que não interessa mais a ninguém. Sobram motivos para um impeachment, mas a questão é que da direita à esquerda, as correntes políticas perderam o medo de enfrentar Bolsonaro nas urnas e vão deixar que ele sangre até 2022. Ele vai continuar achando que a terra é plana, que o Trump [Donald Trump] vai reverter o resultado das eleições nos Estados Unidos, essas coisas insanas que dominam seu comportamento”, diz o senador Major Olímpio (PSL-SP) que, eleito na esteira do fenômeno bolsonarista em São Paulo em 2018, tornou-se adversário do presidente. Olímpio avalia que Bolsonaro não foi apenas o grande derrotado. O desempenho ruim do presidente, segundo ele, prejudicou a direita.
“A mensagem do eleitor nesta eleição é a reprovação do comportamento irresponsável de Bolsonaro na condução do país, principalmente durante a pandemia. Bolsonaro perdeu espaço agora e a tendência é que sofra uma derrota ainda mais contundente em 2022. O povo brasileiro está cansado de extremismo”, disse à Pública o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon.
No balanço do primeiro turno, o presidente não conseguiu ajudar nem os candidatos selecionados para as “lives eleitorais gratuitas”, as transmissões pela internet que ele gravou no Palácio da Alvorada – espaço público cujo uso é proibido e está sendo questionado em ação que tramita na Justiça Eleitoral. Bolsonaro pediu votos para 44 candidatos a vereador, 14 prefeitos e sua preferida na eleição suplementar para uma vaga ao Senado pelo Mato Grosso, Coronel Fernanda (Patriota). Apenas dois candidatos a prefeito de capital para os quais Bolsonaro pediu votos em seu “horário eleitoral gratuito” chegaram ao segundo turno: Delegado Eguchi (Patriota), em Belém, e Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio. Em Fortaleza, o Capitão Wagner (PROS), que surgiu como liderança atrelada ao bolsonarismo, chegou ao segundo turno descolando a campanha da imagem do presidente.
Em São Paulo, o apoio do presidente foi uma pá de cal na candidatura de Celso Russomano (Republicanos). Entre os 44 candidatos a vereador que Bolsonaro apoiou, apenas nove conseguiram se eleger. O presidente viu encolher o desempenho de seu filho Carlos Bolsonaro que, de mais votado em 2016, passou para segunda posição no Rio, com 35 mil votos a menos. Ele também não conseguiu eleger sua ex-mulher, Rogéria Bolsonaro, mãe dos filhos Flávio, Carlos e Eduardo, que disputou vaga no Rio. Nem ajudou a ex-assessora parlamentar, Walderice Conceição dos Santos, a Wal do Açaí, apontada em reportagem da Folha de S. Paulo como funcionária fantasma de seu antigo gabinete na Câmara dos Deputados. Wal naufragou na disputa em Angra dos Reis, com apenas 266 votos.
O caso do Mato Grosso, meca do agronegócio, foco de crimes ambientais e um dos maiores redutos bolsonaristas do país, foi uma derrota peculiar. Bolsonaro ignorou as candidaturas de um de seus vice-líderes do governo na Câmara, José Medeiros (PODE) e do principal coordenador de sua campanha em 2018 no Estado, Sargento Elizeu Nascimento (DC) e se empenhou na campanha da Coronel Fernanda (Patriota) na eleição suplementar ao Senado. Ela foi derrotada pelo empresário e ex-vice-governador Carlos Fávaro, que estava no exercício do mandato “tampão” deixado pela juíza Selma Arruda, eleita em 2018 pelo PSL e cassada no ano passado por abuso econômico. No começo da campanha, seis dos 11 candidatos disputavam o apoio de Bolsonaro, inclusive Fávaro, que chegou a usar imagens de encontro com o presidente. No curso da disputa, ele cresceu ao descolar do presidente e confrontando Fernanda e o bolsonarismo. Venceu com 371.857 votos, contra 293.362 da adversária.
Sinais de arrefecimento
A líder do PCdoB, Perpétua Almeida afirma que a onda bolsonarista evidenciada no pleito de 2018 apresenta claros sinais de arrefecimento. “Nesta eleição, Bolsonaro foi o grande derrotado nas urnas das principais capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, e percebe-se que seu capital político está em queda vertiginosa, inclusive com perda de votos dentro da própria família. Pesquisas também apontam sua queda de popularidade. Bolsonaro não é um líder que consegue transferir votos ou criar novas lideranças. Egocêntrico e manipulador, será o grande derrotado também nas eleições de 2022”, disse a deputada à Pública.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Paulo Lima (PFL-RJ), candidato derrotado às eleições no Rio, onde ficou em quinto lugar, discorda da oposição e afirma que o presidente poderia ser considerado um derrotado se ele estivesse filiado a um partido. “A eleição municipal é diferente da nacional. Ele indicou o voto a candidatos de vários partidos. O fato de estar sem partido e de ter apoiado diversos candidatos, uma salada russa partidária, pirou a cabeça do eleitor”, disse o deputado. Ele reconhece, no entanto, que sem partido o presidente ficou frágil, com desempenho aquém das possibilidades. “Se ele estivesse filiado ao PSL, teríamos eleito 1.500 prefeitos”, afirma.
Em uma série de declarações desencontradas, Bolsonaro tem dado mostras de fadiga e de indecisão quanto ao futuro. Às vésperas da eleição, na rotineira conversa com apoiadores no portão do Palácio da Alvorada, reclamou do ônus do cargo. “É uma desgraça, problema o tempo todo, não tenho paz para absolutamente nada. Não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel”, disse o presidente, revelando que os 30 anos na política como deputado não lhe deram a noção de que, além de liturgia, o cargo tem bônus e ônus. Depois do fracasso no primeiro turno, admitindo que candidatos apoiados por ele perderam, procurou dissociar a eleição municipal da nacional e jurou que em nenhum momento tem falado como candidato em 2022. “Não polemizei a questão da vacina pensando nas eleições”, exemplificou.
O analista político Melillo Dinis, do Instituto Lampião – Reflexões e Debates sobre Conjuntura, de Brasília, diz que o desempenho fraco do presidente não tem precedente em eleições municipais. Ele acha que Bolsonaro, embora seja cortejado por partidos conservadores, repetirá o equívoco de permanecer “avulso”, mesmo sabendo que o fechamento das urnas em 30 de novembro significa a abertura do processo eleitoral de 2022, o que facilitará o aumento da instabilidade do governo.
Dinis acha que um eventual impeachment dependeria de dois fatores: a unificação do “Fora Bolsonaro” numa pauta que una esquerda com militares descontentes e o cenário econômico com possível agravamento do déficit fiscal, desemprego e falta de recursos até mesmo para conter uma segunda onda do coronavírus. Segundo ele, é provável que o descontentamento nos quartéis, favorecido pela forma humilhante nas demissões de generais Rego Barros, ex- porta-voz do Palácio do Planalto, e Carlos Alberto Santos Cruz convençam os militares, mesmo os que estão em cargos públicos, a apoiar uma eventual troca de Bolsonaro por seu vice, o general Hamilton Mourão. Ele frisa, no entanto, que o futuro de Bolsonaro deve sofrer influência das eleições das Mesas do Senado e Câmara, em fevereiro do ano que vem.
O senador Angelo Coronel, vice-líder do PSD (BA) acha que as eleições municipais devem servir para Bolsonaro refletir sobre os rumos de seu governo. “Todo político é avaliado pelas urnas. Se estiver errado, deve mudar o modus operandi”, diz. O destino dos pedidos de impeachment parados na Câmara, segundo o senador, ainda dependerá do cenário pós-eleições municipais. “Nós não estamos em Brasília, o que impede que se sinta o calor da política. Acho que devemos aguardar as eleições municipais, para não recair em avaliações prematuras”, afirma.
O cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Caldas avalia que, embora tenha pedido votos a candidatos que perderam a eleição, por não estar filiado a nenhum partido, Bolsonaro não pode ser considerado derrotado nem vitorioso no primeiro turno. “A vitória dos partidos de centro pode facilitar a vida de Bolsonaro no Parlamento”, diz ele. Caldas vê mais risco de instabilidade para o governo na área jurídica em função de processos acumulados no Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do que uma eventual crise que política que desemboque em impeachment. “Penso que Bolsonaro vai chegar até o final do mandato”, aposta o analista.
A encruzilhada do partido
Como o projeto de criação da Aliança pelo Brasil não saiu do papel, caso se coloque como candidato a reeleição, Bolsonaro tem como alternativa filiar-se a um dos quatro partidos de direita: o Republicanos, comandado pela Igreja Universal do Reino de Deus, para onde migraram seus dois filhos mais velhos, o senador Flávio Bolsonaro e o vereador reeleito Carlos Bolsonaro; o PSL, onde ainda está filiado outro filho, Eduardo Bolsonaro e mantém a porta aberta para um eventual diálogo; o Patriota, para o qual pediu votos no primeiro turno; e, o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson, que fez uma reformulação em seu estatuto, na convenção nacional realizada na semana passada para se adequar ao perfil conservador de Bolsonaro e seu séquito.
Entre as mudanças no PTB estão a proibição de coligação com partidos de esquerda, revogação do estatuto do desarmamento, defesa mais intensa de temas como família, vida, pátria e do legado cristão. Jefferson afirmou no evento que “a imprensa e o ativismo dos ministros do STF” buscam criminalizar os cristãos e as igrejas, num movimento que ele chama de “cristofobia”, mas sem fundamento na realidade. Embora a intenção de Jefferson seja escancarar as portas do PTB para receber Bolsonaro, esse desejo divide o diretório nacional. Um novo integrante da executiva nacional ouvido pela Pública, mas que pediu que seu nome não fosse citado, disse que as projeções políticas indicam que Bolsonaro perdeu força como nome da direita para 2022 e que o melhor para o partido seria apostar numa nova liderança que deve emergir dos partidos de centro que saíram fortalecidos.
No PSL o eventual retorno de Bolsonaro divide opiniões. “Sou um entusiasta e sonho com a volta de Bolsonaro ao PSL. Acho que ele não deveria ter saído do partido. Como o Aliança pelo Brasil não atingiu 10% das exigências, se ele não se filiar, corre o risco de não ter tempo de organizar a campanha. Dos 52 do PSL, 45 ainda estão com Bolsonaro. O resto é detalhe”, diz o deputado Paulo Lima. Já o Major Olímpio, cuja desfiliação é exigência do grupo bolsonarista para discutir um eventual retorno, tem posição radicalmente contrária. “Não falo pelo PSL, mas onde eu estiver não quero Bolsonaro nem pintado de ouro”, afirma o senador. Ele faz críticas corrosivas ao comportamento do clã presidencial com a prática da rachadinha em gabinetes parlamentares. “Não convivo com rachadinha. Aprendi que polícia é polícia e ladrão é ladrão”, cutuca.
source https://apublica.org/2020/11/como-bolsonaro-saira-das-eleicoes-segundo-governistas-e-oposicao/
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