Quinze meses após a tomada de poder pelo movimento fundamentalista Taleban no Afeganistão, uma nova realidade que tem sido particularmente cruel para as mulheres, há um aumento dramático nos casamentos precoces de meninas afegãs. A tendência, explicam ativistas de direitos humanos, é uma medida tomada pelos pais para livrar as filhas de serem submetidas a uma união forçada com combatentes talibãs. As informações são da rede Gandhara.
Artigo publicado pela revista The Diplomat em outubro de 2021 já relatava os abusos cometidos por jihadistas contra as mulheres, muitas vezes forçadas a casar sob a ameaça de estupro e outras violências. E não são só as jovens que sofrem. O Taleban inclusive já argumentou no passado que “arranjar casamento” para viúvas é para o bem da sociedade e das crianças que vivem com mães solteiras.
Mas a preocupação dos pais vai além da vida conjugal. Casar as filhas também ajuda a aliviar outro flagelo enfrentado pelas famílias no país: a fome. O matrimônio significa menos bocas em uma mesa em meio a uma atmosfera de transição de poder que jogou o povo afegão na pobreza e o levou a uma batalha contra a insegurança alimentar.
Uma das jovens recém-casadas é a estudante de 12 anos Khatira, que usou um pseudônimo por razões de segurança. Ela conta que seus pais arranjaram seu noivado com um homem muito mais velho em sua província natal de Ghor, no oeste do país. A união, contra a sua vontade, ocorreu há seis meses.
“Eu não queria me casar”, disse ela. “Mas meu pai me avisou que, se eu me recusasse a casar, o Taleban iria forçá-lo a me casar com um de seus combatentes”.
A jovem, considerada a primeira da classe dentro da sua turma da sétima série, sonhava ser médica para poder ajudar sua comunidade, que fica em uma província remota e empobrecida. “As políticas do Taleban destruíram todos os nossos sonhos”, disse Khatira.
Não há muitas alternativas. A crise econômica e humanitária, bem como a falta de perspectivas educacionais e profissionais para as mulheres, como é o caso de Khatira, não alimenta esperanças. De acordo com Nicolette Waldman, pesquisadora da ONG Anistia Internacional (AI), esses são os principais motivos para o boom do casamento infantil, precoce e forçado no Afeganistão atual.
“Essas políticas formam um sistema de repressão que discrimina mulheres e meninas no Afeganistão em quase todos os aspectos de suas vidas”, disse ela.
Por que isso importa?
A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.
Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.
Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza.
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