A Justiça da Indonésia concedeu a liberdade condicional a um terrorista condenado por envolvimento direto nos atentados de Bali, que mataram 202 pessoas em 2002. Ele cumpriu apenas dez anos de prisão, metade da pena imposta de 20 anos. As informações são da agência Associated Press (AP).
Hisyam bin Alizein, também conhecido pelo pseudônimo Umar Patek, foi o responsável por produzir as bombas usadas nos ataques que atingiram duas casas noturnas na praia de Kuta. Um dos artefatos, o menor, foi detonado em uma mochila, e o outro era um carro-bomba. O terrorista era membro do grupo extremista Jemaah Islamiyah (JI), ligado à Al-Qaeda.
Após os ataques, Patek deixou a Indonésia e passou nove anos em fuga, sendo naquele período um dos terroristas mais procurados da Ásia. Capturado, foi julgado, se disse arrependido e pediu desculpas às famílias das vítimas. Segundo ele, embora tenha construído as bombas, não sabia como seriam usadas.
Agora, segundo as autoridades indonésias, o terrorista está “convertido” e será usado pelo Estado para ajudar a influenciar outros militantes islâmicos a deixar o terrorismo. Paralelamente, será monitorado e passará por um programa de recuperação até 2030.
Indignação australiana
A libertação de Patek foi bastante contestada pela Austrália, que perdeu 88 cidadãos mortos nos atentados. Peter Hughes, um australiano que sobreviveu ao ataque, manifestou sua indignação com a libertação e afirmou que “não há chance de ele se converter”.
“Não podemos mudar o que o governo indonésio quer fazer ao seu próprio povo, mas pelo menos podemos dizer alguma coisa”, disse Hughes à emissora australiana ABC, cobrando uma posição firme de Camberra. “Eu não gostaria que fosse passiva, gostaria que fosse bastante pesada”.
O primeiro-ministro australiano Anthony Albanese também manifestou sua oposição à decisão e classificou Patek como “abominável”.
O Jemaah Islamiyah
Em setembro do ano passado, as forças antiterrorismo da Indonésia prenderam Abu Rusdan, líder do JI. Ele havia sido condenado à prisão em 2003 por ter abrigado Ali Ghufron, insurgente condenado à pena de morte pelos atentados em Bali. Outros três envolvidos no atentado foram executados em 2008.
O JI é o principal representante da Al-Qaeda no Sudeste Asiático e é considerado pelos EUA um grupo terrorista. A organização foi proibida por um tribunal em 2008 e acabou enfraquecida por uma repressão contínua da polícia antiterrorismo indonésia, que contou com reforço norte-americano e australiano.
Por que isso importa?
Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.
Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.
O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.
Em fevereiro deste ano, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já em novembro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashemi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto.
No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.
“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.
O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto .
Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.
No Brasil
Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.
Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.
Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.
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