A internet é uma importante aliada da população do Irã nos protestos populares que tomaram as ruas do país desde a morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, em setembro. Pensando nisso, o governo local adotou duas estratégias na tentativa de enfraquecer as manifestações. Uma, comum em países autoritários, é cortar a conexão para dificultar que os cidadãos se comuniquem. Outra, cujos indícios têm se acumulado nas últimas semanas, é invadir os celulares de opositores e inserir conteúdo que possa incriminá-los. As informações são da rede CNN.
Para Teerã, acessar os aparelhos de celular usados pelos cidadãos não chega a ser um grande desafio, vez que os sistemas digitais do país se submetem ao Estado. “O governo iraniano está administrando toda a infraestrutura de telecomunicações no Irã”, diz Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança da ONG de direitos humanos Miaan Group.
O analista cita o exemplo do Telegram, aplicativo russo de mensagens bastante usado por oposicionistas. Ele explica como o processo de invasão é simples. Como o Estado tem acesso às empresas de telefonia, tem condições inclusive de desviar e acessar qualquer mensagem de texto enviada para um celular de interesse.
“Normalmente, o que acontece é que eles (o governo) pegam o número de telefone de destino e enviam uma solicitação de login para o Telegram”, afirma Rashidi. “Em países com regime autoritário, como o Irã, as autoridades podem potencialmente interceptar qualquer mensagem SMS”.
Quem passou por uma situação dessas foi a ativista Negin, que chegou a ser presa a torturada sob a acusação de conspirar contra o governo. Ela diz que teve a conta de Telegram invadida pelo governo, que acessou conversas e ligações feitas a amigos que são prisioneiros políticos e usou o conteúdo para incriminá-la.
“Eles colocaram na minha frente impressões transcritas de minhas conversas telefônicas com aqueles amigos”, disse ela, que confirmou a invasão ao perceber que o aplicativo havia sido acessado por um endereço de IP incomum. “Questionaram sobre qual era meu relacionamento com essas pessoas”.
Quem também teve o aparelho celular aparentemente invadido foi Nika Shahkarami, manifestante de 16 anos que morreu supostamente nas mãos das autoridades iranianas. Há evidências de que ela havia sido detida pelas forças de segurança pouco antes de desaparecer, embora o governo negue envolvimento na morte.
A Meta, empresa-mãe do Instagram, abriu uma investigação interna para tentar apurar se de fato o perfil dela foi acessado irregularmente por agentes estatais. Tanto o perfil na rede social quanto a conta no Telegram foram misteriosamente desativados enquanto ela estava desaparecida. A família diz que não sabe quem fez isso. Então, quando já se sabia que ela estava morta, ambos voltaram a ficar ativos por um breve período, segundo notaram amigos.
Um parente de Nika, que pediu para não ser identificado por questão de segurança, afirma que o celular dela está até hoje em poder do Estado. “Fomos ao escritório do promotor e descobrimos que o telefone de Nika está com o Sr. Shahriari (o promotor). Vi com meus próprios olhos que estava nas mãos deles”, disse o familiar.
Segundo Mahsa Alimardani, pesquisadora sênior de internet da Article 19, uma organização de liberdade de expressão, não é possível confiar totalmente no Telegram para casos assim. Ela afirma que a empresa por vezes faz vista grossa.
“Certa vez, pedimos a eles que revertessem algumas edições feitas na conta de uma pessoa após sua morte, e eles não ajudaram. Eles não nos retornaram. Eles não tentaram corrigir o problema. Nenhum tipo de apoio ou ajuda nisso”, disse Alimardani.
A empresa, porém, diz que atua para tentar preservar a privacidade dos usuários. “Processamos rotineiramente dezenas de casos semelhantes encaminhados a nós por ativistas de organizações confiáveis e desabilitamos o acesso a contas comprometidas”, disse Remi Vaughn, porta-voz do Telegram.
Por que isso importa?
Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.
Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.
No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.
De acordo com dados divulgados pela ONG Ativistas de Direitos Humanos do Irã (HRAI, na sigla em inglês), ao menos 503 pessoas morreram nas mãos de agentes estatais até o dia 19 de dezembro, entre elas 69 crianças. A entidade diz ainda que 18.452 pessoas foram detidas pelas autoridades sob a acusação de participar dos protestos.
Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.
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