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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

‘Vitaminas da indústria’: por que as terras raras no Brasil não impulsionam a economia local?

Por André Amaral

Objetos como telefones celulares, discos rígidos de computador, supercondutores, equipamentos médicos e até produtos de energia limpa, como turbinas eólicas e carros elétricos, vêm delas. As chamadas terras raras (da sigla em inglês REE, RareEarth Element) são 17 metais essenciais à fabricação de produtos de alta tecnologia, usados ​​para fazer os ímãs utilizados tanto para fins comerciais quanto de uso militar – incluindo fabricação de jatos de combate, como o F-35.

Não à toa, esses depósitos de minerais estratégicos, por conta de sua aplicação em produtos high tech, são responsáveis pela extração das “vitaminas da indústria”, “combustível do futuro” e “ouro do século 21”, apelidos que refletem sua importância no setor. E o Brasil é um privilegiado, já que possui a segunda maior reserva mundial de REE, de acordo com artigo publicado pelo Jornal da USP (Universidade de São Paulo). Ou deveria ser.

É que o cenário favorável, no entanto, não dá muita vantagem ao país em relação ao resto do mundo, conforme apontou estudo realizado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), o Serviço Geológico do Brasil. Isso porque, de acordo com o órgão, há necessidade de forte investimento no desenvolvimento das rotas tecnológicas de cada depósito. “Cada mineralização exige rotas adequadas ao tipo de minério de forma a ser economicamente viável, pois são processos caros, de baixo rendimento e altamente poluentes”, diz o relatório.

Separação de minérios tem alto custo e é tido como maior desafio da produção nacional (Foto: Terence Wright/Flickr)

Esta é uma situação que gera ao país uma grande dependência externa, conforme analisou em conversa com A Referência Fernando Landgraf, coordenador do projeto intitulado “Patria” – Processamento e Aplicação de Ímãs de Terras-Raras para Indústria de Alta Tecnologia.

O pesquisador deu uma síntese das dificuldades enfrentadas pelo país: “Resumindo muito, é isso: custo”.

A rede comandada por ele reúne pesquisadores de oito instituições de pesquisa que visam, juntas, à aplicação das técnicas necessárias para o desenvolvimento da cadeia produtiva desses ímãs, em parceria com a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), o LaFabITR, primeiro laboratório-fábrica de ímãs de terras raras no Brasil, e a WEG, fabricante de motores elétricos e tintas industriais. As dificuldades financeiras são evidentes.

“Seguimos dependentes da importação de ímãs de terras raras por falta de investimento nas tecnologias de fabricação dos ímãs. O LaFabITR, criado pelo Estado de Minas Gerais, foi colocado à venda em 2022 e não despertou interesse”, lamentou o pesquisador.

Segundo ele “só o investimento estatal poderia assumir os riscos e custos de colocar em operação uma instalação complexa” como a do LaFabITR, que “criaria a demanda local pelo minério concentrado”.

Henrique Elsi Toma, professor do do Instituto de Química (IQ) da USP, avalia que a falta de investimento em pesquisa é outro fator que prejudica o setor no país.

“O Brasil tem terras raras e tecnologia, poderia avançar bastante, porém as empresas não têm tradição de desenvolvimento tecnológico, quase tudo é importado”, disse ele ao Jornal da USP.

Um dos principais interesses globais nas terras raras do Brasil é a monazita, que contém elementos de urânio, usado na produção de energia nuclear. E a exploração desse tipo de mineral não é tarefa fácil. Aliás, outra grande dificuldade na produção de terras raras está na extração e separação.

“Os minérios brasileiros baseados na monazita contida em fosfatos têm processamento difícil, devido ao minúsculo tamanho dos cristais de monazita (10 micrômetros), que exigem um custoso ataque ácido para serem separados da matriz ferrosa”, segundo Landgraf.

Mas, de acordo com o pesquisador, há uma boa expectativa de que as terras raras voltem a gerar, além de bons negócios, emprego e renda no país. Pelo menos no Estado de Goiás, onde há um investimento de cerca de R$ 580 milhões previstos pela Serra Verde Pesquisa e Mineração, segundo anunciou em 2020 o governo local, do reeleito Ronaldo Caiado.

“O minério de Minaçu é de processamento muito mais fácil. A Serra Verde vem anunciando para o ano que vem o início da exportação do minério concentrado”, observa.

Minaçu, município do norte goiano, explorava amianto, que foi proibido. Com a descoberta da jazida de terras raras por lá, o plano é despontar internacionalmente e bater de frente com a China, maior reserva de REE do mundo. Atualmente, o país asiático detém 85% da produção mundial de terras raras e monopoliza o mercado mundial de monazita com sua produção interna.

Além disso, Beijing detém o “expertise e know-how tecnológico necessário à produção das mais sofisticadas tecnologias, cruciais à transição energética”, segundo a revista de ciência New Scientist. E ainda usa como arma geopolítica, já que no início deste ano estudou a possibilidade de limitar a exportação de minerais de terras raras aos EUA

Redução de impacto ambiental é tema de pesquisa

Os processos de extração e refinação de terras raras causam imenso impacto no ambiente, produzindo elevados níveis de lixo tóxico, com altos riscos de radioatividade, conforme apontou uma reportagem do jornal britânico The Guardian em 2014 citada pela plataforma de jornalismo independente Gerador. Para refinar uma tonelada de terras raras, por exemplo, produz-se duas mil toneladas de lixo tóxico não tratado.

Elsi Toma, que é especializado em nanotecnologia, desenvolveu uma técnica chamada de hidrometalurgia magnética para a separação de terras raras, que propõe simplificar e baratear o processo.

Segundo ele detalhou ao Jornal da USP, o processo é automatizado, não poluente e facilita a separação de elementos químicos distintos, podendo ser utilizado na recuperação de terras raras.

“Para limpar o meio ambiente, o ideal não é explorar, mas apenas reciclar os minérios, como acontece com as latinhas de alumínio. Por exemplo, calcula-se que um carro elétrico possua um quilo de neodímio. Quando o veículo virar sucata, se não for reciclado, o neodímio se transforma em poluente. Por essa razão, é fundamental o desenvolvimento de técnicas avançadas que permitam fazer a reciclagem no futuro”, ressalta.

“Esta ainda é uma técnica nova, que vem rendendo publicações e trabalhos científicos. Mas que, para chegar ao mercado, precisa de apoio. Só que a pesquisa quase parou por falta de recursos”, segundo ele. 

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