Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Carnegie Endowment for International Peace
Por Gwendolyn Sasse
Os ataques aéreos russos contra cidades ucranianas continuam tendo como alvo a infraestrutura crítica e os civis em uma tentativa de quebrar a determinação da população ucraniana.
A máquina de guerra da Rússia demonstra diariamente do que se trata este conflito: a destruição do Estado ucraniano e da nação ucraniana.
O reparo da infraestrutura é uma corrida contra o tempo, com as temperaturas do inverno tornando cada queda de energia e interrupção do sistema de aquecimento ou abastecimento de água potencialmente mortal. Sofrimento humano em grande escala e mais deslocamentos fazem parte do cálculo russo.
No terreno, as tropas ucranianas preparam-se para novas ofensivas, mas também sob pressão, mais recentemente na região de Donbass, onde a Rússia voltou a concentrar os seus esforços depois de ter de recuar da cidade de Kherson e de alguns dos seus arredores.
Embora ainda haja amplo apoio à Ucrânia em sua defesa contra a agressão da Rússia na maioria das capitais ocidentais, a ideia de um fim negociado para esta guerra surgiu repetidamente. E vem ganhando um novo impulso.
A diferença é que, desta vez, a vaga ideia de negociações foi transmitida por autoridades estatais dos EUA, incluindo o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, em recente viagem a Kiev . A assistência militar dos EUA à Ucrânia tem sido fundamental para a defesa do país desde fevereiro de 2022, mas o escopo e o custo desse tipo de apoio passaram por um exame mais minucioso recentemente por setores do Partido Republicano.
Enquanto o presidente dos EUA, Joe Biden, está ansioso para enfatizar publicamente que o momento não é propício para negociações, o presidente francês, Emmanuel Macron, alimentou novas dúvidas sobre os compromissos dos Estados Unidos e da UE (União Europeia) com a Ucrânia.
Ao retornar em 2 de dezembro de sua visita a Washington, Macron falou não apenas sobre a necessidade de negociações, mas também sobre garantias de segurança concretas para a Rússia dentro de uma futura ordem de segurança europeia. Macron referiu-se explicitamente ao alargamento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para leste como sendo inaceitável para a Rússia.
Esta declaração disparou o alarme em outras capitais ocidentais, inclusive em Berlim – geralmente um aliado próximo de Paris. Macron parece ter esquecido que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky havia colocado a neutralidade da Ucrânia em negociação apenas algumas semanas após o início da invasão em grande escala da Rússia. Naquela época, o presidente russo, Vladimir Putin, não tinha interesse em negociar sobre esta questão, deixando claro que esta guerra não é sobre a Otan, mas sobre a soberania ucraniana.
O chanceler alemão Olaf Scholz também foi criticado por sua conversa telefônica mais recente com Putin em 2 de dezembro. Enquanto Putin aparentemente pressionou Scholz a abandonar o apoio militar alemão à Ucrânia e pedir negociações, Scholz teria apontado para a necessidade da retirada de tropas russas do território ucraniano antes que as negociações possam começar.
Há incerteza na mídia europeia e no discurso público sobre a posição de Scholz nas negociações. Apesar do aumento dos preços da energia e de outros custos de vida, o público alemão ainda exibe apoio majoritário à Ucrânia, inclusive para assistência militar. Mas, quando a pergunta adicional sobre os esforços diplomáticos para acabar com a guerra é colocada nas pesquisas de opinião, a partir de novembro, agora também há uma maioria expressando o desejo de mais engajamento nesse sentido.
A opinião pública em algumas partes da UE é cada vez mais contraditória: o apoio contínuo à Ucrânia, inclusive por meio de assistência militar, é expresso juntamente com o desejo de mais diplomacia.
Este é precisamente o tipo de discrepância que Putin e o Estado russo pretendem expor para virar a mesa a seu favor. Vários membros da elite russa falaram sobre a possibilidade de negociações – sem, no entanto, exibir qualquer vontade política séria de fazer concessões ou se retirar da Ucrânia.
As declarações sobre o escopo das negociações foram feitas principalmente pelo porta-voz presidencial Dmitry Peskov, apenas para serem invalidadas logo depois por outro funcionário – por exemplo, por Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Federação Russa. Essa variação de ênfase tem dois objetivos: primeiro, faz parte da comunicação do Kremlin com o público doméstico, que erroneamente coloca a Ucrânia no papel de parte que não quer acabar com esta guerra. A culpa, assim, muda da Rússia para a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais, que são retratados como se estivessem prolongando deliberadamente a guerra.
O segundo objetivo é criar incerteza sobre os planos da Rússia, de modo a fornecer uma plataforma para aqueles no Ocidente que defendem negociações e ampliar desejos latentes da sociedade em países como Alemanha ou França.
Nos últimos meses, as discussões sobre a reconstrução na Ucrânia ganharam força – em Kiev, mas também em Bruxelas e na reunião consultiva em Berlim em 25 de outubro, patrocinada pela Alemanha, Ucrânia e o G7.
À luz da destruição da infraestrutura, é importante deixar claro que a reconstrução da Ucrânia começa agora, não em algum ponto distante no futuro após o fim desta guerra. Também deve ficar claro, no entanto, que a reconstrução não pode ser separada de mais assistência militar.
Somente a combinação de assistência militar e esforços de reconstrução agora colocará a Ucrânia na posição de decidir se e quando quer negociar. No momento, qualquer cessar-fogo ou negociação de paz só pode ter um efeito: ganhar tempo para a Rússia se reagrupar e retomar seus ataques na primavera.
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