A Justiça norte-americana condenou à prisão perpétua, na última sexta-feira (29) um cidadão canadense acusado de ser um importante propagandista do Estado Islâmico (EI) e pessoalmente responsável pela execução de dois militares da Síria. As informações são da agência Associated Press.
Mohammed Khalifa, de 39 anos, nasceu na Arábia Saudita e se mudou com a família primeiro para a Itália, depois para o Canadá. Ele já havia se declarado culpado durante julgamento em uma corte federal dos Estados Unidos em dezembro do ano passado, na cidade de Alexandria, Estado da Virginia.
Os promotores disseram durante o julgamento que o terrorista teve papel fundamental no recrutamento de dezenas de milhares de estrangeiros para combater ao lado do grupo extremista em defesa do autoproclamado califado na Síria e no Iraque.
As execuções da qual ele foi acusado foram registradas em um vídeo, que mostra Khalifa atirando na nuca dos soldados. Antes, os militares foram exibidos cavando as próprias covas. A defesa argumentou que, apesar dos crimes, a sentença perpétua seria severa demais, considerando que as vítimas não eram cidadãos dos EUA.
A mesma corte que condenou o canadense julgou por acusações semelhantes dois cidadãos britânicos, conhecidos pelos prisioneiros como “Beatles do Estado Islâmico“. Alexanda Kotey foi condenado também a passar a vida na prisão, mesma sentença aguardada para El Shafee Elsheikh, que ouvirá sua pena ainda neste mês.
Khalifa era locutor de vídeos em inglês usados pelo EI para recrutar seguidores. Ele diz que começou a se dedicar ao Islamismo somente após o ensino médio, quando iniciou estudos em uma mesquita canadense e passou a buscar conteúdo extremista na internet. Em 2013, um vídeo de recrutamento semelhante aos que ele mesmo produziria anos depois o convenceu a se juntar ao EI na Síria.
No depoimento que prestou à corte, Khalifa diz que chegou a atuar como combatente na Síria. Por ser fluente em inglês e árabe, o canadense logo deixou de pegar em armas e assumiu a função de tradutor da propaganda do grupo. Mais tarde, assumiu a coordenação de toda a propaganda do EI em inglês.
Khalifa trabalhou na operação de mídia do grupo extremista até o final de 2018, quando voltou a atuar como combatente devido à redução de contingente do EI, que perdeu terreno para as forças curdas na Síria e precisava de mais homens.
Em janeiro de 2019, durante combate com soldados das Forças Democráticas Sírias (FDS), o canadense foi ferido e feito prisioneiro, sendo transferido para a custódia dos Estados Unidos em setembro daquele ano.
Por que isso importa?
Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.
Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.
O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.
Em janeiro deste ano, o exército norte-americano impôs nova derrota ao EI com o anúncio da morte de Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção. Ele morreu durante uma operação antiterrorismo na Síria, em mais um duro golpe contra o grupo, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.
No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.
“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.
O documento destaca, ainda, que “a Al-Qaeda usou a ascensão do Taleban para atrair novos recrutas e financiamento e inspirar os afiliados da Al-Qaeda globalmente”. E que o atual líder da organização, Ayman al-Zawahri, que foi o braço direito do famoso terrorista Osama Bin Laden, continua a viver no Afeganistão, bem como seus comandantes mais próximos.
Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.
No Brasil
Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.
Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.
Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.
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