Já não se vê mais tantos cartazes, marchas e gritos de “não à guerra!” na Rússia. Isso porque atos em repúdio à invasão na Ucrânia levaram até agora quase 16,5 mil pessoas a serem detidas no país nos seis meses de conflito, recém-completados na última quarta-feira (24). E, com tanta repressão das autoridades, protestar virou algo para poucos corajosos que arriscam a liberdade e o saldo bancário. As informações são do jornal independente The Moscow Times.
Os números foram divulgados na quarta pela ONG OVD-Info, que monitora protestos e a repressão no país. A atualização das detenções chegou junto de outra data simbólica para os ucranianos: o Dia da Independência.
A maioria das detenções ocorreu nos primeiros dois meses do conflito. Só no dia 6 de março, a polícia russa levou sob custódia mais de 5 mil pessoas em 69 cidades em todo o país por protestar contra a invasão iniciada duas semanas antes. Moscou e São Petersburgo registraram o maior número de prisões.
Isso aconteceu antes de os parlamentares russos aprovarem uma lei em março, com foco na guerra, que pune quem “desacredita o uso das forças armadas”. Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A reclusão pode chegar a 15 anos.
Desde então, segundo a OVD-Info, houve uma queda de 800 detenções no período de 24 de março a 24 de junho para 89 nos dois meses seguintes. Agora, como disse artigo da rede Radio Free Europe, “o movimento antiguerra na Rússia permanece confinado à pequena proporção de indivíduos corajosos que sentiram repulsa moral pela invasão desde o momento em que souberam dela”.
Mais de 3,8 mil dos detidos foram acusados de crimes que são punidos com multas, que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). Esses casos caíram de quase 900 do pico registrado em abril para 333 em agosto.
Já outros 224 cidadãos russos enfrentam processos criminais por atos como se referir à chamada “operação militar especial”, que é como o governo descreve o conflito, como uma “guerra” ou “invasão”, disse a OVD-Info. A pena mais rigorosa é justamente aplicada a quem divulga “informações sabidamente falsas” sobre o exército e seus atos no país vizinho.
Além disso, neste meio ano, a Rússia rotulou 74 organizações como “agentes estrangeiros”, designação que carrega conotações negativas da era soviética e serve para rotular o que seriam organizações envolvidas em atividades políticas financiadas pelo exterior. Outras 15 foram classificadas como “indesejáveis”.
O Roskomnadzor, órgão estatal regulador da mídia, também está trabalhando forte para impedir a veiculação do que considera “notícias falsas” sobre o conflito e as forças armadas. Na terça-feira (23), o censor anunciou que cerca de 7 mil sites, incluindo os de importantes meios de comunicação independentes russos e internacionais, foram bloqueados.
No início de agosto, a promotoria-geral do país informou que cerca de 138 mil websites foram bloqueados ou excluídos pelas autoridades.
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitários erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova, que foi detida outras vezes depois disso, pediu demissão e diz que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Ela foi colocada em prisão domiciliar, será julgada e pode ser condenada a uma pena de até dez anos de prisão.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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