“Nenhuma negociação será possível com a Rússia se ela organizar um julgamento de ucranianos capturados”, disse na segunda-feira (22) o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, fazendo menção à situação de soldados aprisionados pelas forças invasoras após terem resistido por três meses no interior de uma usina em Mariupol. As informações são do jornal The Hill.
Zelensky fez um pronunciamento na TV estatal ucraniana após Denis Pushilin, líder da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD), região separatista pró-Rússia no leste do país invadido, anunciar detalhes de seus planos para julgar os prisioneiros de guerra que se renderam na siderúrgica Azovstal.
“Se esse julgamento desprezível acontecer, se nosso povo for trazido para esse cenário violando todos os acordos, todas as regras internacionais, se houver abuso, essa será a linha além da qual qualquer negociação será impossível”, disse o mandatário ucraniano, que classificou o episódio como “julgamento-espetáculo absolutamente repugnante”.
O combatente do batalhão Azov Dmytro Kozatskyy registrou os meses passados dentro da usina de Azovstal (Foto: Dmytro Kozatskyy/Reprodução Telegram)
A rendição em massa no complexo industrial de Azovstal em maio decretou o fim de um violento combate travado desde fevereiro pelo controle de Mariupol, cidade portuária ao sul cercada por tropas russas que exigem a rendição da Ucrânia. A resistência dos soldados ao exército de Vladimir Putin no entorno da imensa siderúrgica tornou-se um dos símbolos do conflito.
Zelensky disse esperar por uma reação sobre a questão do secretário-geral da ONU, António Guterres. Ele acrescentou que alertou todos os parceiros da Ucrânia, em particular o presidente francês Emmanuel Macron e o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, sobre o que “o Estado terrorista pode preparar nesta semana”, referindo-se aos planos russos.
“Eles entendem que a Ucrânia não vai tolerar isso”, observou o presidente. “Mesmo em tempos de guerra, deve haver regras. O poder do mundo é definitivamente suficiente para colocar qualquer Estado, qualquer terrorista sob o poder dessas regras”.
Crime de guerra
O Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH) também expressou preocupação nesta terça (23), citando fotos e vídeos divulgados nas mídias sociais de gaiolas de metal sendo construídas na sala da filarmônica de Mariupol, aparentemente para abrigar os prisioneiros de guerra no julgamento. A entidade alertou que o procedimento pode gerar uma acusação de crime de guerra contra os próprios julgadores.
“Estamos muito preocupados com a maneira como isso está sendo feito. Há imagens na mídia de jaulas sendo construídas na filarmônica de Mariupol, jaulas realmente enormes, e aparentemente a ideia é conter os prisioneiros”, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do órgão. “Isso não é aceitável, isso é humilhante”, disse ela.
Shamdasani salientou que “ de acordo com o direito internacional, os indivíduos com direito ao status de prisioneiro de guerra têm imunidade de combate e não podem ser processados por terem participado de hostilidades, ou por atos legítimos de guerra cometidos durante o conflito armado, mesmo que tais atos de outra forma constituiria um delito sob a lei nacional”.
Cerca de 2,5 mil soldados ucranianos foram feitos prisioneiros em Mariupol. Em maio, o líder pró-Kremlin da RPD já havia dito que eles enfrentariam um “tribunal internacional”. “Estamos planejando organizar um tribunal internacional na república”, disse Pushilin na ocasião. Segundo ele, 78 dos detidos são mulheres e há diversos cidadãos estrangeiros entre os combatentes.
Em junho, uma corte de Donetsk já havia anunciado a aplicação da pena de morte contra os britânicos Aiden Aslin e Shaun Pinner e o marroquino Saaudun Brahim, capturados enquanto lutavam pela Ucrânia, supostamente defendendo Mariupol.
50 prisioneiros mortos
No início de agosto, Kiev acusou Moscou de ser responsável por uma explosão na prisão de Olenivka, em Donetsk, que matou pelo menos 50 prisioneiros de guerra ucranianos sob poder das forças separatistas. Entre os mortos estão combatentes do Batalhão Azov que se renderam às forças russas em Azovstal.
Os detalhes do episódio continuam sendo contestados pelas duas nações. O principal indício que sustenta a desconfiança ucraniana foi revelado por altos funcionários do governo, que falaram sob condição de anonimato. De acordo com eles, há sinais de que, antes mesmo do ataque, as forças russas já estariam preparadas para um banho de sangue.
As fontes citaram uma imagem de satélite divulgada pela empresa de tecnologia espacial Maxar Technologies, tirada antes da explosão. Ela mostra alterações no solo que as autoridades ucranianas creem ser sepulturas cavadas dentro do complexo prisional antes da explosão, como se os russos já estivessem prontos para enterrar as futuras vítimas.
Já o Ministério da Defesa da Rússia, sem apresentar provas, acusou o exército ucraniano. Para matar as próprias tropas, segundo o órgão governamental russo, um armamento ocidental enviado por parceiros teria sido usado: o lança-foguetes Himars, de fabricação americana.
Analistas militares dizem que isso é improvável, embora impossível de descartar dadas as poucas informações disponíveis. Segundo eles, os foguetes geralmente deixam uma cratera, mas nenhuma fica evidente nas imagens divulgadas pelos serviços de notícias do Kremlin. Pelo fato de as paredes do quartel e boa parte do interior estarem intactas, além de não haver danos aparentes em um prédio adjacente, o cenário parece inconsistente com a forte onda de choque verificada em outros ataques do Himars.
O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz foi encarregado pela ONU (Organização das Nações Unidas) de chefiar a missão de investigação, devidamente aprovada pelo Kremlin.
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