Ao menos um em cada oito judeus deixou a Rússia desde o início da guerra na Ucrânia. A informação foi divulgada pela Sohnut (Agência Judaica para Israel), uma organização sem fins lucrativos que processa a imigração de judeus para Israel, e reproduzida pela rede britânica BBC.
De acordo com a agência 20,5 mil dos 165 mil judeus da Rússia deixaram o país desde março rumo a Israel. Isso sem contar os milhares de judeus que migraram para outros países, todos com medo de uma eventual perseguição por parte do governo russo.
O principal expoente desse êxodo é Pinchas Goldschmidt, ex-rabino-chefe de Moscou, que relembra o esforço da comunidade judaica para se instalar na Rússia desde a queda do comunismo. “Começamos do zero com sinagogas, escolas, jardins de infância, serviços sociais, professores, rabinos e membros da comunidade”, diz ele, que ao deixar o país primeiro seguiu para a Hungria, depois para Israel.
Segundo o líder religioso, a comunidade judaica foi pressionada a apoiar a guerra na Ucrânia, mas não o fez. “Senti que tinha que fazer algo para mostrar minha total dissociação e desacordo com essa invasão da Ucrânia, mas teria me colocado em perigo se tivesse feito isso ficando em Moscou”.
Por ter deixado o país e só então se posicionado contra a guerra, Goldschmidt admite que ouviu críticas. “Recebi algumas mensagens questionando: ‘Como vocês pôde nos deixar sozinhos?'”, lembra, afirmando que permanecer na Rússia e se posicionar contra a invasão teria colocado a comunidade em risco maior.
Histórico preocupante
Anna Shternshis, professora de estudos iídiche na Universidade de Toronto e especialista em história judaica na Rússia, diz que, à primeira vista, não existem sinais de uma “grande onda de antissemitismo” no país. Porém, a pressa de muitos judeus em deixar o país tem uma explicação histórica.
“Toda vez que algo acontece na Rússia, alguma revolta, alguma mudança, os judeus estão sempre em perigo”, dize ela, citando a Revolução Russa, a crise econômica do final do século 19 e a Segunda Guerra Mundial.
Alexander, um judeu russo que pediu para não ter o verdadeiro nome revelado, concorda. “As autoridades na Rússia são imprevisíveis e têm uma tendência ruim. Os judeus se tornam um de seus alvos de propaganda, tradicionalmente somos uma boa maneira de encontrar inimigos internos. Meus bisavós e avós sofreram com esses tempos”, diz ele, que ainda vive em Moscou e solicitou a cidadania israelense.
Diplomacia
Um dos principais sinais de alerta para os judeus foi o fechamento da filial russa da Sohnut. Moscou alega que o caso não deve ser politizado e que a ação tem caráter meramente legal. Quando a Justiça russa pediu o fechamento da agência, um alto funcionário da diplomacia israelense disse que a agência foi acusada de “coletar ilegalmente informações sobre cidadãos russos”.
Alexander, porém, diz que, seja qual for a causa, a decisão o assustou. “De repente, vemos isso no noticiário e nos perguntamos: o que vem a seguir? Nos sentimos muito inseguros e pensamos que poderíamos perder nossos empregos ou ir para a cadeia. As coisas ficaram muito assustadoras”, afirma.
Essa tensão pode ser explicada pela posição de Israel em relação à guerra, que era de pretensa neutralidade com Naftali Bennett como primeiro-ministro. No entanto, a situação mudou sob o governo de Yair Lapid. Em abril, ainda como ministro das Relações Exteriores, o agora premiê acusou Moscou de consumar crimes de guerra e condenou o que chamou de “visões terríveis em Bucha”.
Diante desse cenário, Goldschmidt chegou a afirmar, em junho, que “a situação é preocupante” e que há “muitas nuvens negras no horizonte”, acrescentando que “a segurança e o futuro” dos judeus “dependem das relações entre Israel e Rússia”.
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