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sábado, 23 de outubro de 2021

Pesca ilegal impulsiona tráfico de armas e ajuda a municiar rebeldes em Camarões

As autoridade da República dos Camarões estão cientes de que a pesca ilegal, um problema global que causa prejuízos na casa dos bilhões de dólares, esconde inúmeros outros crimes, que vão desde corrupção até o tráfico de armas. É o que afirma o The Conversation, site australiano que usa conteúdo acadêmico como base para produzir material jornalístico.

A questão tornou-se problema de segurança nacional em Camarões, que enfrenta um violento conflito separatista alimentado pelo tráfico de armas provenientes de países vizinhos, sobretudo da Nigéria. Em muitos casos, os traficantes usam barcos pesqueiros para contrabandear o armamento, situação da qual a marinha camaronesa tem consciência, mas falha em combater.

São justamente as armas provenientes da Nigéria, algumas contrabandeadas com a ajuda das embarcações, que têm municiado os rebeldes anglófonos que enfrentam as forças de segurança nacionais. No início de setembro, a polícia nigeriana prendeu cerca de 40 traficantes acusados de armar os separatistas camaroneses. Na ocasião, foram apreendidos 13 fuzis AK-47, 750 cartuchos de munição e 58 pacotes de explosivos suspeitos de serem dinamite, uma pequena amostra de um problema bem maior.

Vila de pescadores em Camarões (Foto: u_3njs8uaf/Pixabay)

E a situação tende a piorar, pois milícias francófonas armadas começaram a se formar para engrossar as fileiras de combate aos rebeldes, num momento em que as cidades de língua francesa têm sido invadidas por separatistas que objetivam roubar comida e armamento.

Em agosto deste ano, o Conselho Econômico, Social e Cultural da Comissão da União Africana estimou que ao menos 120 mil armas leves estejam em circulação ilegal em Camarões, incluindo revólveres, pistolas, rifles, rifles de assalto e metralhadoras. O governo, entretanto, concedeu apenas 3,8 mil autorizações para transportar munições de pequeno calibre, o que evidencia o contrabando.

Presença estrangeira

O problema da pesca ilegal envolve tanto a artesanal, feita por pequenas embarcações, quanto a industrial. Nesse segundo modelo, a maior incidência de pesca IUU (ilegal, não declarada e não regulamentada, da sigla em inglês) na Costa de Camarões cabe a embarcações de China e Nigéria, que juntas somam 70% dos casos. Já a pesca artesanal fica a cargo sobretudo de pesqueiros estrangeiros, de Gana, Benin, Togo e Nigéria, somando 80% dos casos.

A forte presença estrangeira preocupa os oficiais de pesca camaroneses, que associam o aumento dessas embarcações ao crescimento das praticas criminosas. Isso porque os pesqueiros de outros países exploram suas redes sociais e econômicas transnacionais para aumentar as atividades ilícitas.

Para complicar, a fiscalização é frouxa, muitas vezes fruto da corrupção envolvendo agentes encarregados de combater a pesca ilegal. Isso atraiu a atenção inclusive da Comissão Europeia, que repreendeu o governo camaronês e ameaçou impor sanções econômicas se o combate à pesca ilegal não for intensificado.

“A UE (União Europeia) é o maior importador mundial de produtos da pesca. O combate à pesca ilegal faz parte do compromisso da UE de garantir uma utilização sustentável do mar e dos seus recursos”, justificava o documento. “A decisão da Comissão se baseia nas deficiências identificadas na capacidade de Camarões cumprir as normas acordadas ao abrigo do direito internacional do mar”.

Prejuízo financeiro

Financeiramente, o prejuízo para Camarões é grande, num país em que a pesca representou em 2019 3% do PIB nacional, de US$ 39 bilhões. A pesca marinha responde por 83% da produção total de peixe no país, sendo 80% desse total atribuído aos pesqueiros artesanais.

Somente em impostos, um estudo recente estimou que a pesca ilegal leva a uma perda de receita fiscal que varia entre US$ 9 mil e US$ 14 mil por ano. O governo, porém, calcula que a perda financeira total decorrente da pesca ilegal é de cerca de US$ 33 milhões por ano.

Por que isso importa?

A crise em Camarões começou em 2016, quando professores e advogados tomaram as ruas para protestar contra o domínio do francês nos tribunais e nas escolas de língua inglesa. A greve ganhou corpo rapidamente, e em novembro daquele ano uma boa parte da população já pedia por reformas políticas.

Os grupos separatistas anglófonos ganharam força, e mesmo com a pandemia a violência teve escalada rápida. Os conflitos se concentram nas províncias do noroeste e do sudeste, com acusações mútuas de assassinatos de civis. Mais de 3,5 mil pessoas morreram desde então, e pelo menos 700 mil foram forçadas a deixar suas casas.

O Ministério da Defesa acusa “a existência de ligações e trocas de armamentos sofisticados” entre “terroristas separatistas” e “outras entidades terroristas que operam além das fronteiras”, incluindo grupos extremistas islâmicos.

Sem sucesso nas tentativas de firmar um acordo de paz com os combatentes, o presidente Paul Biya, há 38 anos no poder, já pediu ajuda à UE (União Europeia), e aos Estados Unidos.

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