A gigante de telecomunicações Huawei pagou mais de US$ 1,4 milhão a ex-gerentes de alto escalão da estatal sérvia Telekom. A denúncia veio com o megavazamento Pandora Papers, que aponta o uso de empresas offshore na transação, o que, segundo especialistas em crimes financeiros, sugere corrupção. Paralelo a isso, a Huawei conquistou contratos milionários da estatal, segundo reportagem do Projeto de Relatório de Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, da sigla em inglês), uma rede global de jornalistas investigativos.
Um dos sérvios envolvidos é
Igor Jecl, ex-gerente da Telekom, que teria recebido uma cifra milionária em contratos, dividendos, empréstimos, taxas de consultoria e um apartamento de uma empresa offshore. Embora não haja evidências de que os pagamentos eram impróprios, isso ocorreu em 2016, período em que a fabricante de celulares fechou um negócio de 150 milhões de euros com a estatal sérvia para modernizar suas redes de telecomunicações.Ocorre que nenhuma das empresas offshore de Jecl tem histórico de consultoria ou realizou qualquer outro serviço. “É um padrão disfarçar subornos como pagamentos de consultoria”, disse Graham Barrow, um especialista britânico em crime financeiro.
Os documentos vazados sugerem que Jecl não negociou com a Huawei por conta própria, mas usou uma estrutura offshore existente. Ela foi fundada por Milorad Ignjačević, um proeminente advogado sérvio que tinha laços comerciais com a Telekom.
O material levantado pelo Pandora Papers fornece uma breve visão sobre como as empresas de Jeclov e Ignjačević funcionavam.
Os pagamentos enviados a empresas offshore são baseados em contratos e faturas com a Huawei. Juntas, as duas empresas tinham pelo menos seis desses contratos, para os quais emitiram faturas para cobrar pelo menos 947 mil euros (cerca de US$ 1,1 milhão). Quatro desses acordos foram transferidos sem maiores explicações de uma de suas empresas de fachada no Panamá para outra nas Ilhas Virgens Britânicas. Uma das faturas enviadas da empresa offshore de Jecl para a Huawei foi no valor de 150 mil euros.
Os documentos vazados contêm detalhes completos de apenas um desses contratos. Em um acordo firmado em 1º de janeiro de 2014, fica acertado que o “consultor” organizará reuniões da Huawei com representantes e executivos das telecomunicações sérvias.
Desconfiança com rede 5G
Tais denúncias podem complicar os negócios da Huawei, que enfrenta uma crescente desconfiança na construção de redes 5G em todo o mundo, com a implantação rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Reino Unido já baniram a infraestrutura da fabricante em seu território por medo de que a China pudesse usá-la para espionagem. Autoridades norte-americanas apontam para o passado militar da sua fundadora, Ren Zhengfei. A gigante chinesa “rejeita categoricamente” qualquer acusação de espionagem.
Em conexão com os esforços da China para expandir sua influência política nos Bálcãs, a Telekom, onde Jecl liderou um dos departamentos de 2005 a 2008, começou a comprar equipamentos da Huawei em 2006. Onze anos depois, as duas empresas assinaram um contrato nunca antes publicado para reconstruir a rede de comunicações de 150 milhões de euros na Sérvia.
Vladimir Lučić, o atual diretor da Telekom, afirma não saber nada sobre contratos de consultoria. “Não era necessário e é repreensível”, disse ele. “Nem a Huawei nem a Telekom precisavam de algo assim. São grandes empresas multinacionais”, pondera.
“Muito dinheiro em conselhos”
Especialistas em crimes financeiros concordam que os contratos offshore da Huawei com Jecl e Ignjačević são “pelo menos muito suspeitos”. De acordo com o analista britânico Barrow, “o esquema era muito semelhante a outras estruturas de suborno que ele havia visto no passado”.
O especialista em prevenção à lavagem de dinheiro de Washington, Ross Delston, ressalta que o valor pago a empresas offshore para consultas é incomumente alto. “Seria muito dinheiro em conselhos”, diz ele. “É incomum, assim como a propriedade dessas offshore. Por que não usar uma empresa sérvia (para pagamentos)?”.
Jecl, de 56 anos, ingressou na Telekom em 2005. Por dois anos, ele foi conselheiro de Drašek Petrović, o ex-diretor executivo da Telekom e um dos fundadores do Partido Democrático da Sérvia. Jecl foi considerado um inovador na empresa e ajudou a introduzir a internet banda larga e o rádio via internet na Sérvia. Em 2008, porém, ele deixou a empresa e desapareceu da vida pública.
Por que isso importa?
No 5G, que tornou-se ferramenta de pressão geopolítica, os riscos de segurança são mais elevados. Isso porque a nova tecnologia incorpora softwares responsáveis por um processamento dos dados pessoais dos clientes e outras informações confidenciais.
A decisão de utilizar ou não a Huawei nas redes móveis põe a Europa no fogo cruzado da intensa pressão dos Estados Unidos para banir o grupo. Washington alega potencial de vazamento de dados e outras brechas de segurança em benefício do governo chinês.
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