Desde 2012, quando o presidente Xi Jinping assumiu o governo da China, a repressão religiosa no país se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.
No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo Partido Comunista Chinês (PCC), a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.
A PDMS, criadora do app Quran Majeed, um dos alvos da censura, emitiu um comunicado, no qual a Apple foi pouco elucidativa. “De acordo com a Apple, nosso aplicativo Quran Majeed foi removido da China App Store porque inclui conteúdo que requer documentação adicional das autoridades chinesas”, diz o texto. “Estamos tentando entrar em contato com a Administração do Ciberespaço da China e as autoridades chinesas relevantes para resolver esse problema”, prossegue.
O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas. Denúncias de organismos internacionais dão conta de que Beijing usa tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa na região.
O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.
A exclusão do Quran Majeed é, portanto, apenas mais uma forma de repressão religiosa do PCC, que oficialmente reconhece o Islamismo como uma religião no país. E a decisão gerou críticas à Apple, por ter cedido à censura do governo chinês. “Somos obrigados a cumprir as leis locais e, às vezes, há questões complexas sobre as quais podemos discordar dos governos”, disse a big tech sobre a exclusão.
O que ajuda a explicar a conivência é a dependência da Apple em relação ao governo chinês. Afinal, é da China que saem muitos dos componentes usados para produzir os produtos da empresa, e mesmo a montagem deles depende enormemente de indústrias chinesas. Tanto que a big tech nunca impôs grande resistência à censura chinesa sobre temas proibidos nos apps, como a libertação do Tibete, a independência de Taiwan e o Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989, segundo a revista Fortune.
O outro app deletado, o Olive Tree Bible, também não foi capaz de explicar de maneira convincente as razões para a censura. Mas sugeriu que a questão está atraleada a direitos autorais. A empresa responsável pelo programa diz que foi “informada durante o processo de revisão da App Store que é obrigada a fornecer uma licença demonstrando autorização para distribuir um aplicativo com conteúdo de livro ou revista na China continental”.
A crescente censura online levou recentemente a Microsoft a encerrar na China a rede social corporativa Linkedin. Após sete anos de funcionamento, era a última plataforma de propriedade dos Estados Unidos em operação no país. Em substituição, a empresa diz que focará em novo produto local: o InJobs, um site de busca de empregos que não terá os mesmos recursos de mídia social do antecessor.
Censura global
A repressão imposta pela China a seus próprios cidadãos já começa a ultrapassar as próprias fronteiras. Artigo publicado no início da semana passada pela revista Foreign Policy mostra como o PCC, fazendo uso da lei de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.
Aconteceu, por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido a não viajar para países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu discurso crítico contra os abusos cometidos pelo PCC.
Isso porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo editorial, os meios de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.
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