O Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP), popularmente conhecido como Taleban do Paquistão, realiza atualmente uma violenta campanha contra as forças de segurança paquistanesas, com ataques que invariavelmente levam também à morte de civis. Para isso, têm sido cruciais as armas e outros equipamentos militares deixados para trás pelas forças norte-americanas e aliadas quando saíram do Afeganistão em 2021. As informações são da agência Asia Nikkei.
Moazzam Jah Ansari, ex-chefe da polícia da cidade de Peshawar, na província de Khyber Pakhtunkhwa, conta que um ataque conduzido pelo TTP em janeiro deste ano contou com armas equipadas com miras térmicas antes usadas pelas forças dos EUA. Três policiais foram mortos na ação, em parte graças ao equipamento ocidental de alta tecnologia dos insurgentes.
“Ao usar dispositivos de visão noturna, os militantes podem ver facilmente e atingir o pessoal da polícia, cumprindo assim suas funções no escuro, enquanto os policiais não podem vê-los chegando”, disse um policial do distrito de Dera Ismail Khan.
Durante o longo processo de evacuação das tropas ocidentais do Afeganistão, armas, veículos e outros itens de uso militar foram deixados para as forças armadas afegãs. Concluída a retirada dos militares aliados, o Taleban afegão tomou o poder e assumiu o controle de todo o arsenal do governo antecessor, repassando parte do material ao TTP.
Embora o Taleban negue que o material chegou às mãos do homônimo paquistanês ou mesmo de outros grupos extremistas, há indícios de que tenha sido usado em vários ataques. Sheikh Rasheed Ahmad, ex-ministro do Interior do Paquistão, citou o caso do Exército de Libertação Baloch (ELB), que teria usado armas americanas em ataques a acampamentos do exército em fevereiro do ano passado.
Mas o principal beneficiário é mesmo o TTP. De acordo com Moazzam Jah Ansari, 118 policiais foram mortos na província de Khyber Pakhtunkhwa no ano passado em ataques realizados pela organização extremista. Os itens abandonados pelas tropas ocidentais foram usados em ao menos três ataques na região.
Em outubro de 2021, dois meses após a ascensão talibã no Afeganistão, a agência russa Sputnik, ligada ao Kremlin, já havia afirmado que 27 veículos blindados deixados pelas forças armadas da Dinamarca chegaram às mãos do Taleban. O espólio de guerra mais relevante, porém, é mesmo o dos EUA, país que entregou US$ 7,12 bilhões em equipamento militar ao antigo governo afegão.
Segundo Muhammad Feyyaz, especialista em segurança e acadêmico associado da Universidade de Gestão e Tecnologia de Lahore, no Paquistão, o moderno arsenal aumenta a “capacidade do TTP de realizar operações sob todas as condições de visibilidade e dá ao grupo terrorista uma vantagem sobre as agências de aplicação da lei mal equipadas”.
Feyyaz afirma que as forças de segurança locais enfrentam problemas até mesmo para preencher suas fileiras. O confronto com inimigos melhor equipados aumenta o desafio, contribuindo inclusive para derrubar o moral dos agentes estatais.
Abdul Basit, pesquisador da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam, em Singapura, reforlça a importância do moderno arsenal ocidental para os insurgentes. “O uso dessas armas aumentou a letalidade e precisão dos ataques terroristas no Paquistão”, disse ele.
Por que isso importa?
Embora sigam os mesmos preceitos fundamentalistas e sejam ambos grupos sunitas, o Taleban afegão e o homônimo paquistanês são entidades separadas. Porém, o governo do Paquistão aproveita sua proximidade com os talibãs do Afeganistão para conduzir negociações que incluem ao TTP, entra elas dois acordos de cessar-fogo.
O primeiro pacto ocorreu no ano passado, mas foi interrompido no dia 10 de dezembro, exatamente um mês após ter sido iniciado. Os extremistas do TTP acusaram Islamabad de não cumprir as promessas feitas antes do acordo, entre elas a libertação de prisioneiros e a formação de um comitê de negociações.
À época em que aquele cessar-fogo foi estabelecido, o ministro da Informação paquistanês, Fawad Chaudhry, confirmou a influência do Taleban do Afeganistão para que o acerto fosse possível, embora os grupos homônimos não tenham qualquer tipo de associação oficial. Mais recentemente, em junho de 2022, um novo cessar-fogo foi acordado, e agora foi mais uma vez rompido.
A proximidade entre Islamabad e o Taleban afegão sempre incomodou o Ocidente. Depois que os radicais conquistaram Cabul, consequentemente assumindo o governo do Afeganistão, o então premiê paquistanês Imran Khan declarou que o grupo estava “quebrando as correntes da escravidão”, em vídeo reproduzido pelo jornal britânico The Independent.
Segundo o think tank norte-americano CFR (Conselho de Relações Estrangeiras, da sigla em inglês), uma forte razão para a proximidade entre Paquistão e Taleban é a questão territorial. “As autoridades paquistanesas estão preocupadas com a fronteira com o Afeganistão e acreditam que um governo do Taleban poderia aliviar suas preocupações”, diz a entidade, que destaca a disputa histórica entre os paquistaneses e a etnia pashtun do Afeganistão. “O governo do Paquistão acredita que a ideologia do Taleban enfatiza o Islamismo em vez da identidade pashtun”.
Nos EUA, são comuns as acusações de que o governo paquistanês não apenas dialoga com os talibãs afegãos, mas também os apoia e dá suporte. Segundo especialistas, o ISI, serviço de inteligência paquistanês, apoiou grupos militantes na região da Caxemira, disputada entre Paquistão e Índia. Entre eles, grupos que hoje figuram na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado norte-americano.
O CFR ilustra essa desconfiança com uma entrevista do então secretário de Defesa dos Estados Unidos Robert Gates, concedida ao programa 60 Minutes, da rede CBS, em maio de 2009. Na ocasião, ele disse que “até certo ponto, eles jogam dos dois lados”, referindo-se ao ISI.
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