Sob a mão de ferro do movimento fundamentalista Taleban, ser mulher no Afeganistão é sobretudo um ato de resistência. Tanto que, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), não há lugar no mundo mais repressivo para o sexo feminino, disse a entidade na passagem do Dia Internacional da Mulher nesta quarta-feira (8). As informações são da agência Associated Press (AP).
Segundo as Nações Unidas, ao assumir o poder, os insurgentes mostraram um “foco quase singular na imposição de regras que deixam a maioria das mulheres e meninas efetivamente presas em suas casas”. Diante desse cenário, 11,6 milhões de mulheres e meninas afegãs precisam de assistência humanitária.
Embora tenha prometido moderação no início, o Taleban se mostrou mais engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático. Com o esvaziamento em agosto de 2021 da base militar de Bagram, que durante vinte anos foi o centro do poder militar dos EUA e seus aliados no Oriente Médio, os talibãs impuseram o terror e a repressão decorrentes de uma abordagem radical da lei islâmica, a ‘Sharia’.
A misoginia é parte central nesse processo, já que o governo tem na repressão de gênero uma de suas mais autoritárias marcas. Elas não podem estudar, trabalhar e nem sair de casa desacompanhadas de um homem. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã. Há também inúmeros casos de solteiras ou viúvas que foram forçadas a se casar com combatentes.
No fim de 2022, autoridades talibãs ainda deram ordens para que mulheres ligadas a ONGs locais e estrangeiras parassem de trabalhar até novo aviso, o que gerou reações globais de condenação. A justificativa foi a de que muitas dessas trabalhadoras humanitárias não estavam fazendo uso do hijab, o véu que faz parte do conjunto de vestimentas recomendado pela doutrina islâmica.
“O Afeganistão sob o Taleban continua sendo o país mais repressivo do mundo em relação aos direitos das mulheres”, disse Roza Otunbayeva, representante especial do secretário-geral da ONU e chefe da missão no Afeganistão.
Segundo Otunbayeva, há uma campanha em andamento para apagar as mulheres da sociedade. “Tem sido angustiante testemunhar seus esforços metódicos, deliberados e sistemáticos para expulsar as mulheres e meninas afegãs da esfera pública”, acrescentou.
Excluídas da educação
A proibição do ensino universitário para mulheres foi uma das medidas mais contestadas globalmente, entre as tantas decisões abusivas do Taleban. A repressão educacional surgiu de forma gradual.
Em outubro do ano passado, milhares de afegãs foram autorizadas a prestar vestibular. Porém, a flexibilização foi limitada: elas foram proibidas de se inscrever em diversas graduações, entre elas jornalismo, medicina, engenharia, economia e ciências sociais. O Taleban alegou inicialmente que certas disciplinas não estavam de acordo com os valores afegãos e islâmicos.
“Confinar metade da população do país em suas casas em uma das maiores crises humanitária e econômica do mundo é um ato colossal de automutilação nacional”, disse Otunbayeva.
Um mês antes, o Taleban determinou a segregação de gênero em universidades e faculdades privadas do país. O Ministério da Educação talibã emitiu decreto estabelecendo que as classes deveriam ser separadas por gênero – ou pelo menos divididas por uma cortina. Entre as determinações, a de que as estudantes só poderiam ser ensinadas por outras mulheres. Um exceção foi aberta: “homens idosos” de bom caráter poderiam preencher os cargos na ausência de educadoras disponíveis. Mais tarde veio o golpe derradeiro, com a proibição absoluta de mulheres no ensino superior.
“Isso condenará não apenas mulheres e meninas, mas todos os afegãos, à pobreza e dependência de ajuda para as próximas gerações”, disse ela. “Isolará ainda mais o Afeganistão de seus próprios cidadãos e do resto do mundo.”
Excluídas do mercado
A perseguição implacável do Taleban às mulheres fez os níveis de emprego feminino no Afeganistão caírem acentuadamente, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo estudo intitulado Emprego no Afeganistão em 2022: uma rápida avaliação de impacto, no quarto trimestre de 2022, o emprego feminino teve redução de 25% em comparação ao segundo trimestre de 2021, período que antecedeu a retirada das tropas dos EUA e aliados do país e consequente insurreição dos extremistas.
As mulheres que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas contribui para o empobrecimento da população afegã.
Em uma fábrica de tapetes em Cabul, mulheres que foram ex-funcionárias do governo, estudantes do ensino médio ou da universidade agora passam seus dias tecendo tapetes.
“Todos nós vivemos como prisioneiros, sentimos que estamos presos em uma jaula”, disse Hafiza, 22 anos, que atende apenas pelo primeiro nome e era uma estudante de direito do primeiro ano antes de o Taleban retirar as mulheres do ambiente universitário.
“A pior situação é quando seus sonhos são destruídos e você é punida por ser mulher”, disse.
Antes do Dia Internacional da Mulher, cerca de 200 donas de pequenas empresas afegãs montaram uma exposição de seus produtos em Cabul. A maioria reclamou da perda de negócios desde a volta do Taleban ao poder.
“Não espero que o Taleban respeite os direitos das mulheres”, disse uma deles, Tamkin Rahimi. “As mulheres aqui não podem exercer seus direitos e comemorar o Dia da Mulher, porque não podemos ir à escola, universidade ou trabalhar, então acho que não temos nenhum dia para comemorar”, lamenta.
O Conselho de Segurança da ONU tem reunião nesta quarta com Otunbayeva e mulheres representantes de grupos da sociedade civil afegã.
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