Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Carnegie Endowment for International Peace
Por Judy Depmsey*
Ron DeSantis está errado. O governador republicano da Flórida, que tem ambições presidenciais, disse recentemente que a guerra na Ucrânia não era do interesse vital dos Estados Unidos. Para ele, o que está acontecendo é uma disputa territorial. A visita de Estado de três dias do líder do Partido Comunista Chinês (PCC), Xi Jinping, a Moscou mostrou o contrário. O resultado da guerra brutal da Rússia diz respeito ao futuro da ordem internacional pós-Guerra Fria – e ao papel dos Estados Unidos em moldá-la.
A ordem global estabelecida após a Segunda Guerra Mundial ficou sob pressão depois que o Muro de Berlim foi derrubado em novembro de 1989. Isso levou à reunificação da Alemanha e à unificação da Europa, pois a União Europeia (UE) e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) trouxeram membros do antigo bloco comunista. Mas a década de 1990 expôs a fraqueza da capacidade e preparação do Ocidente para lidar com conflitos emergentes.
A guerra na ex-Iugoslávia, por exemplo, deveria ter sacudido a Europa de sua complacência ao levar a sério a defesa e a segurança da região. E, mais tarde, desde os ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, a guerra no Iraque e no Afeganistão, até a invasão da Geórgia pela Rússia em 2008 e as revoltas da Primavera Árabe de 2011, essas crises mostraram como a Europa e os Estados Unidos não estavam prontos para atualizar as estruturas e instituições pós-Guerra Fria. Ambos os lados do Atlântico perpetuavam a velha ordem.
O ataque da Rússia à Ucrânia está destruindo essa velha ordem. Nesse contexto, Xi – ainda mais do que o presidente Vladimir Putin – pretende influenciar, se não liderar, a nova ordem.
A nova ordem está sendo executada de várias maneiras. No nível mais grosseiro, Putin usou táticas para quebrar o moral dos ucranianos, para testar a unidade do Ocidente e para avaliar o nível de apoio à sua invasão do Sul Global e de outras partes do mundo.
Na Ucrânia, os militares russos bombardearam indiscriminadamente alvos civis e setores vitais de infraestrutura. Sequestraram milhares de crianças e as levaram para a Rússia. Destruíram monumentos culturais, bibliotecas e escolas. Ameaçaram a segurança alimentar em muitos países ao bombardearem os silos de grãos da Ucrânia e impedirem a exportação desse produto essencial.
As tropas russas e os mercenários do Wagner Group aterrorizaram as populações que conquistaram. Essas medidas drásticas visam a quebrar a vontade dos ucranianos e minar a integridade territorial do país para forçar o presidente Volodymyr Zelensky a se sentar à mesa de negociações.
Esta guerra também é sobre desafiar a unidade do Ocidente. Até agora, tem se mantido unido. Lentamente está caindo a ficha – e é por isso que a reunião de Xi-Putin foi tão importante – que o resultado desta guerra é sobre quem estabelecerá as regras políticas e econômicas para as próximas décadas.
Muitas das guerras e conflitos recentes já desafiaram o domínio dos Estados Unidos e seus aliados. A Ucrânia intensifica esse desafio, não apenas por causa da natureza da agressão e dos objetivos de Putin, mas também por causa da mudança da Rússia para a China. A Ucrânia encapsula uma competição entre o Ocidente e a China sobre valores, sistemas e regras. Xi deu a entender isso durante sua visita a Moscou.
Apesar de todas as suas fraquezas e, muitas vezes, de padrões duplos, o modelo do Ocidente é construído sobre direitos humanos, democracia, Estado de Direito e regras internacionais de comércio. O Ocidente também dá grande importância à integridade e soberania territorial — caso contrário, a ordem global, frágil como é, cairia em um mundo hobbesiano de caos e conflito.
Xi e alguns líderes da UE, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, afirmam que esses são valores que o Ocidente quer impor a outros países. Esse não é o caso. Esses valores são universais. Se não fossem, por que tantas pessoas fora do Ocidente protestariam pela liberdade, pela democracia, pela justiça e pelos direitos humanos?
Essa é a essência da guerra na Ucrânia. Se a Ucrânia perder, o Ocidente também perderá. A Rússia, com a ajuda de seus antigos aliados, usaria a derrota da Ucrânia para reafirmar sua influência na Europa Oriental. Uma derrota impulsionaria regimes autoritários, liderados por Beijing para reformular a ordem internacional pós-Guerra Fria, onde os Estados Unidos poderiam perder sua posição predominante. É um cenário preocupante e pessimista.
Vencer esta guerra não seria apenas uma vitória militar. Os líderes ocidentais precisam ser sinceros sobre o que está em jogo. Em vez de patrocinar países que não tomam partido na guerra ou apoiam Putin, os líderes europeus e ocidentais precisam explicar por que o Ocidente tem mais a oferecer do que Moscou ou Beijing. Não se trata apenas de questões materiais. É sobre um modo de vida, um sistema de governo e um conjunto de regras comerciais e de negócios internacionais.
Esses atributos precisam ser defendidos pela persuasão, pela diplomacia habilidosa e pela confiança, sustentada pelo poder duro. A guerra na Ucrânia está testando a resistência do Ocidente.
*membro sênior não residente da Carnegie Europe e editora-chefe do canal Strategic Europe
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