Esta entrevista foi publicada originalmente no ONU News
Dois países que falam português devem encerrar seu período na categoria de países menos avançados da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento): Angola, que deixa o grupo em 2021, e a pequena nação insular de São Tomé e Príncipe, em 2024.
Em São Tomé e Príncipe, será preciso observar a trajetória ascendente de outros países insulares, como Cabo Verde, que pode servir de inspiração. Já Angola tem à disposição uma nascente indústria de petróleo e gás, aponta Rolf Trager, chefe da Sessão dos Países Menos Avançados da Unctad – conhecida por ali como Cnuced.
Em conversa com a ONU News, o especialista elencou oportunidades e setores para investir nessa transição.
ONU News: O senhor tem acompanhado o processo de evolução e já foi várias vezes a Luanda. Neste momento de pandemia, como é que a situação afeta o processo de graduação de Angola?
Rolf Traeger: Por causa das medidas restritivas e por causa da recessão internacional, que levou a uma queda nos preços e do volume da exportação do petróleo, isso acarretou uma recessão violenta. Angola tem essa graduação ou saída da categoria dos países menos avançados, prevista para ano que vem, para 2021, nessa situação de crise econômica muito profunda e de uma recessão muito forte.
Significa que vários elementos de progresso econômico e social que tinham sido conseguidos por Angola, do tipo aumento da renda per capita, melhoria na população e em termos de saúde também, por causa do choque do Covid-19 levaram um baque muito forte”. Por outro lado, há que se considerar também que não foi só Angola que sofreu muito com a pandemia. É uma pandemia que afetou o mundo inteiro. Sim, Angola foi de fato muito impactada, mas o mundo inteiro foi muito impactado também.
E que saídas é que encontra a Unctad, que acompanha este processo de transição, para apoiar Angola?
A prioridade em termos de um desenvolvimento sustentável de Angola, a médio e longo prazos, continua sendo a mesma após a graduação, que era antes da graduação. E é essencialmente que Angola possa aproveitar a receita que é gerada essencialmente pelo petróleo para traduzir esta riqueza numa base muito mais ampla, muito mais diversificada, de atividades econômicas de empresas de geração de emprego num setor muito mais amplo de atividades econômicas, para além do setor setor da extração de petróleo. Que seja no campo da agricultura, seja na indústria, seja nos serviços, para diminuir a dependência da economia e da sociedade angolanas do petróleo.
Essa continua sendo a prioridade essencial para o desenvolvimento de Angola no médio e longo prazos. É a diversificação e o reforço das capacidades produtivas nesses outros setores, seja na agricultura, na indústria e nos serviços e outros setores.
Há notícias que dão esperança nesse sentido. Por exemplo, a recuperação de atividades como produção do mel. Quais os outros produtos e setores que podem contribuir para o esforço de diversificação?
Digamos que a opção mais óbvia, a curto e médio prazos, realmente é a agricultura. Não vamos esquecer que várias décadas atrás, Angola era um grande produtor agrícola. Tinha fazendas de café e etc. Então há uma base, tanto de recursos naturais e num sentido de conhecimento e tecnologia nesses setores, que há que reavivar e reforçar. Nesse sentido, a Cnuced está ajudando Angola a diversificar sua base produtiva e sua base de geração de empregos.
E então, nesse quadro, a Cnuced está desenvolvendo um programa de apoio às exportações verdes de Angola. E por verdes nós queremos dizer que são culturas sustentáveis, biológicas, orgânicas etc. Há uma série de produtos que nós identificamos e sobre os quais estamos trabalhando: o caso do mel, do café, que é uma opção também óbvia, mas também da madeira e da pesca. Então, digamos que este seria um setor óbvio.
Um outro setor no qual Angola já fez um certo progresso seria o das atividades ligadas à extração de petróleo. Aquilo que tecnicamente é chamado da angolanização do emprego no setor, ou seja, aumentar o número de técnicos engenheiros angolanos que estejam implicados na produção de petróleo. Mas também aumentar o número de empresas capacitadas a fornecer bens e serviços para a indústria petroleira.
Isso vai desde serviços de catering, com a comida, de roupas, de material, até serviços muito mais sofisticados do tipo consultoria, serviços legais, serviços de engenharia e serviços técnicos. Isto seria um modo de desenvolver outro tipo de atividades. Certo é que estas ainda estão ligadas à atividade petroleira, mais diversificam para além do setor puramente extrativo. Finalmente, já no setor de serviços, um potencial para a expansão muito maior de serviços modernos do tipo serviços financeiros e serviços de Tecnologias de Informação e Comunicação que, obviamente, são para onde a economia moderna está caminhando: para a economia digital.
O importante é que Angola se posicione já, se preparando para esta nova onda de inovação tecnológica através de uma penetração muito mais profunda dessas novas tecnologias. Não só em termos de utilização de telefones móveis pela população. Isso não é tanto o que importa. O que importa é a utilização dessas novas tecnologias pelas empresas, pequenas unidades produtivas, pelos agricultores, pelos fazendeiros e pelas empresas em geral tanto no serviço como no setor da indústria.
O importante é que Angola se posicione já, se preparando para esta nova onda de inovação tecnológica através de uma penetração muito mais profunda dessas novas tecnologias.
chefe da Sessão dos Países Menos Avançados da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad, Rolf Trager
Quais seriam os benefícios reais desta transição. Porque 2021 é um ano crucial quando, por exemplo, veremos esses setores e atividades explodir?
Justamente esses processos são todos a longo prazo. Eles requerem um investimento em pessoas capacitadas, pessoas bem treinadas e formadas. Mas, ao mesmo tempo, eles exigem a formação de todo um setor empresarial para investir em novas atividades inovadoras e modernas.
No caso, não existem muitas atualmente enquanto atividades feitas por empresas nacionais angolanas. Por isso, é uma coisa na qual se deve investir. Mas sem esperar resultados imediatos, nem para um ano nem em dois anos. São processos que levam do médio a longo prazos. Então, é importante investir tanto na diversificação agrícola como na diversificação de serviços a médio e longo prazos.
E nesse contexto, a graduação em 2021 é só um ponto no tempo. Mas esses processos de diversificação e de fortalecimento da economia nacional são processos de longo prazo. Em alguma medida, eles já começaram. Mas têm que ser muito mais reforçados no futuro.
Sabemos que com a graduação baixam os financiamentos que são países de baixa renda. Aumentam, em consequência disso, os empréstimos para esses países. Angola estará preparada para essa situação? O que fazer para que esteja nessa etapa?
Digamos que, atualmente, Angola já não recebe muito de ajuda pública estrangeira. Não é um país que depende, também porque tem as suas próprias receitas de petróleo, o que não impediu de ter que recorrer há uns anos atrás ao Fundo Monetário Internacional.
No caso, um dos problemas essenciais é o da dependência do petróleo, principalmente, a flutuação muito violenta das receitas de exportação, dos preços de exportação e etc. Esses são problemas que Angola já vem enfrentando há vários anos e que não necessariamente vão se agravar com a graduação. Isso obviamente significa que são problemas que estão aí, mas por outro lado Angola e as autoridades do governo já têm uma certa prática, infelizmente em termos de lidar com a instabilidade, lidar com a crise e para levantar financiamento exterior.
Também nesse ponto de vista, o choque não vai ser grande, porque já existe uma uma experiência, uma certa maturidade, uma cautela, uma consciência dos problemas que o país enfrenta e das dificuldades que os mercados internacionais representam.
Em que sentido? Em primeiro lugar, os mercados de commodities, isso são uma coisa com a qual Angola está muito bem acostumada, que são as flutuações do mercado do petróleo que flutua muito violentamente tanto para cima quanto para baixo. Mas outra coisa são as flutuações dos mercados financeiros, que significa que para um país como Angola, receber ou obter financiamento do exterior nem sempre é fácil. O choque não vai ser muito grande, uma boa parte do choque já foi absorvida desde a crise de 2008, 2009 e especialmente a partir de 2011.
O que aconteceu é que, desde então, nunca houve uma recuperação muito forte nem da economia internacional, nem da angolana. E foi nesse contexto que chegou a Covid-19 e toda a recessão ligada à pandemia.
É mais um choque que a economia angolana tem que absorver, mas digamos que pelo fato de se enfrentar esse problema já existe uma certa experiência, um certo conhecimento por parte do Banco Central e das autoridades financeiras. Desse ponto de vista, a graduação não vai representar um choque muito grande. A situação já era difícil anteriormente. Agora está mais difícil mais por causa da Covid do que por causa da graduação.
Deixaria este momento para falar de São Tomé e Príncipe. O que o próximo lusófono na lista de graduação tem como potencialidades? O que vem sendo feito com a agência neste momento?
São Tomé e Príncipe também está na lista dos países que estão para se graduar. A graduação de Angola está prevista para ocorrer em 2021. Aquela de São Tomé e Príncipe está prevista para 2024, portanto três anos mais tarde.
Uma grande diferença de São Tomé e Príncipe em relação a Angola é que São Tomé e Príncipe não tem esse fabuloso setor do petróleo que gerou tanta renda para Angola e ainda continua gerando. Houve uma época em que a se falou muito no desenvolvimento do setor petroleiro em São Tomé e Príncipe, mas ficou em termos de projeto.
Então, São Tomé e Príncipe enfrenta também o desafio de diversificar suas atividades econômicas, aumentar o nível tecnológico, das suas unidades produtivas, da agricultura, dos seus serviços. Esse é um processo no qual o país enfrenta dificuldades. Sendo um país relativamente isolado geograficamente dos demais, todas as dificuldades são multiplicadas.
Porque o fato de transportar insumos materiais até São Tomé e Príncipe é muito mais caro, isso significa que desenvolver atividades nacionais, como a indústria, é muito mais difícil. Especialmente se não há essa renda do petróleo, que existe no caso de Angola, que não está presente no caso São Tomé e Príncipe.
Os desafios são muito maiores num certo sentido, porque também não tem todos os recursos, para além do petróleo, mas em termos de terra, clima e outros. Então, talvez um tipo de desenvolvimento ao qual São Tomé e Príncipe poderia olhar é o caso do desenvolvimento que aconteceu em Cabo Verde.
Também é um país insular, isolado dos principais mercados fornecedores e consumidores. Devia ver como Cabo Verde soube desenvolver a educação, o seu setor de serviços, o turismo e em uma certa medida o transporte, o setor financeiro e essa talvez seria uma via que São Tomé e Príncipe poderia olhar como modelo para o seu futuro desenvolvimento e diversificação econômicas. Cabo Verde é outro país lusófono e insular que foi PMA, mas deixou de sê-lo ao se graduar em 2007.
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