Há 25 anos, a isolada ex-república soviética do Turcomenistão comunicava à ONU (Organização das Nações Unidas) que assumiria uma posição de “neutralidade” em todos os assuntos externos.
A decisão do ditador Saparmurat Niyazov, foi aceita pela ONU de 12 de dezembro de 1995 e registrada em um documento da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Na sequência, virou feriado nacional.
O que os autocratas turcomenos chamam de “neutralidade positiva” é parte da Constituição local. “A neutralidade permanente do Turcomenistão, reconhecida pela comunidade internacional, é a base de sua política doméstica e externa”, de acordo com o primeiro artigo da Carta, de 1992.
O que se tornou um grande pilar da narrativa nacionalista foi, na realidade, uma decisão feita a toque de caixa na ONU. Havia 81 itens na agenda do órgão para aquele dia: a neutralidade turcomena figurava em 81º lugar, lembrou o repórter Bruce Pannier, da RFE.
A meta de Niyazov era atrair partes em conflito para negociações em território turcomeno. Nas palavras do ditador, oferecer “o pilaf da paz”, em referência ao tradicional prato de arroz comum naquela região da Ásia.
Os vizinhos Tadjiquistão e Afeganistão aceitaram uma negociação no país após o fim das guerras civis nos dois países, no final dos anos 1990. Mais recentemente, neste ano o governo se ofereceu para mediar as negociações de paz intra-afegãs. A cúpula ocorre em Doha, no Catar.
A neutralidade foi uma estratégia para permitir que o país continuasse fechado para influências externas e sem perder os laços históricos e financeiros com a Rússia, avalia o pesquisador Luca Anceschi, da Universidade de Glasgow, no Reino Unido.
Seu fechamento permite que seja forjado um modelo ditatorial de culto à personalidade, fortemente idiossincrático, sem que potências ocidentais sequer toquem no assunto.
No âmbito financeiro, a gigante petroleira russa Gazprom monopoliza os gasodutos em toda a Ásia Central. O principal produto de exportação turcomeno é o gás natural – aumentando a forte dependências das compras de Moscou – e o país tem um dos maiores reservatórios do produto no mundo.
Já em termos políticos, o país é até hoje de uma das ditaduras mais fechadas do mundo. Seu fechamento, argumenta Anceschi, em estudo, permite que seja forjado um modelo ditatorial de culto à personalidade, fortemente idiossincrático, sem que potências ocidentais sequer toquem no assunto.
Um exemplo é a própria construção do “Monumento à Neutralidade”, uma estátua de 95 metros que adornava o centro da capital, Ashgabat. A reprodução de Niyazov feita em ouro dá a medida da peculiar ditadura que controla o país. O monumento era giratório, movendo-se em seu próprio eixo ao longo do dia, para que estivesse sempre banhado pelo sol.
A estátua foi transferida para o subúrbio da capital após a morte de Niyazov, em 2006, e a ascensão de seu sucessor, Gurbanguly Berdymukhammedov.
Há outras estátuas de Niyazov – que se autodenominava “turkmenbashi”, ou pai dos turcomenos – por todo o país, muitas em ouro e todas em destaque pelas cidades do país.
Hoje, o ditador de turno Gurbanguly Berdymukhammedov prefere o termo “neutralidade positiva”. Hoje, esse princípio basilar da política turcomena serve como pretexto para que o governo não entre em organizações multilaterais e mantenha seus cidadãos à parte do que ocorre no mundo.
O problema, lembra Pannier, é que o país têm fronteiras com ao menos duas nações de histórico turbulento, o Afeganistão e o Tadjiquistão. Ao contrário do biênio 1995-1996, desta vez seu papel não deve ser de mediação.
Há registros de ataques de rebeldes do outro lado da fronteira, que entram no Turcomenistão para roubar armas do Exército. Em uma região inóspita, semideserta e de populações tradicionalmente nômades, a ausência de aliados entre os vizinhos pode custar caro ao atual governo.
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