Desde 2009, a China vem avançando sobre as bordas da Rússia e da UE (União Europeia) por meio da Sérvia, maior país dos Bálcãs. Localizada na periferia desses dois impérios, tornou-se um improvável parceiro e alvo das atenções dos chineses.
Um estudo do CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais), publicado neste mês, questiona se a Sérvia estaria virando um Estado cliente chinês dentro da Europa. O conceito define um país apoiado e protegido por uma grande potência.
Para garantir espaço nos altos círculos de poder de Belgrado, a China acena com anúncios de investimentos e, infraestrutura digital e urbana, energia e informação. A participação da construção civil no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) local saltou de 26,8% para 48,3% entre 2018 e 2019.
A troca é vantajosa para os dois lados. O atual presidente, Aleksandar Vucic, no poder desde 2017, usa os projetos chineses como peça de marketing para garantir vitórias eleitorais para si e para seu Partido Progressista Sérvio.
A China, afinal, não exige adesão a valores liberais como sistemas democráticos sólidos ou direitos humanos, ao contrário de Bruxelas.
Vucic tem em comum com o alto comando chinês o desapreço ao modelo democrático europeu, visto como uma invasão à “cultura” sérvia. Aos poucos, o governo executa a supressão de direitos democráticos. A imprensa do país é cada vez mais controlada.
Historicamente, Sérvia tem curta tradição democrática. É herdeira da antiga Iugoslávia e, no século 20, esteve isolada da Europa Ocidental e afastada das nações comunistas dominadas pelos russos.
Política e relações públicas
Além dos cheques, a China investe pesado em uma operação de relações públicas de longo prazo. Entre os sérvios, é cada vez mais comum a visão de Beijing como uma potência benevolente e confiável.
A tática tem dado certo. Em 2005, quando questionados a quem Belgrado devia recorrer se precisasse de ajuda, os sérvios se dividiam entre europeus, com 32%, e russos, com 34%. A China foi a escolha de apenas 3%.
Apenas 13 anos depois, a China deixou a UE para trás. Entre os sérvios, 56% citaram os chineses, ante 27% que optaram pela Europa.
Hoje, 40% dos sérvios acreditam que a China é a responsável pelas maiores doações que chegam ali. Na imprensa oficialista, os projetos e investimentos chineses são celebrados com frequência e Vucic agradece ao “mais honesto e confiável amigo” da Sérvia: Beijing.
Na realidade, a maior parceira da Sérvia é a União Europeia. Desde 2009, foram 1,81 bilhão de euros apenas em ajuda humanitária. Já a China prometeu 56 milhões de euros ao país, mas até março deste ano apenas 12%, ou 6,6 milhões, haviam sido liberados.
Na imprensa, empréstimos vindos da China são tratados como “presentes”. Não é debatida a possibilidade de endividamento descontrolado.
Em troca, o alinhamento sérvio à UE em demandas de política externa caiu de 99% em 2012 para 56% em 2019. Parte razoável dessas resoluções rejeitadas era crítica à China. Também há o acordo de que nem a Sérvia reconhece Taiwan, nem a China reconhece o Kosovo.
Durante a pandemia, Belgrado foi uma das primeiras a tomar parte da “diplomacia das máscaras”. Recebeu insumos, equipamentos e ajuda humanitária para fortalecer a “amizade de aço” entre as duas nações.
Dependência tecnológica
A segunda onda, argumenta o estudo, seria na área de informação. A Sérvia, por sua localização, é importante passagem regional para tráfego de cabeamento de internet e infraestrutura de informação.
Ali, a China tem investido em data centers, institutos de treinamento em inteligência artificial e até infraestrutura física, da Huawei, para os equipamentos do governo. Seria a “rota da seda digital”, diz o material.
As queixas ocidentais de falhas de segurança da empresa não têm afastado o setor público de Belgrado. Pelo contrário: a tecnologia usada na China para rastrear dissidentes e intimidá-los é de interesse do governo local.
O principal condutor dessa cada vez mais estreita parceria é, diz o estudo “fazer acordos não transparentes entre os governos” em um esquema que seja vantajoso para ambos.
Se quiserem reverter o quadro, EUA e UE terão de trabalhar para “expor contradições” dessa parceria e mitigar a influência chinesa no país.
Segundo os pesquisadores, será fundamental avançar uma agenda de “investimento transparente, benefício econômico, supervisão rigorosa e prestação de contas, além de engajamento da sociedade civil”.
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