Na primeira entrevista concedida após o seu envenenamento, o principal opositor de Vladimir Putin, Alexei Navalny, relatou detalhes dos instantes antes de perder a consciência e seus planos de retornar à Rússia após a recuperação na Alemanha.
À revista alemã “Der Spiegel”, Navalny atribuiu a responsabilidade do ataque ao presidente russo. “Putin estava por trás do crime e não tenho outra explicação para o que aconteceu”, afirmou. O político passou um mês internado após a contaminação do agente novichok – substância já conhecida pela dissidência do regime que ocupa o Kremlin.
Desde a internação, Navalny emagreceu 12 quilos e ainda possui as marcas no pescoço, por onde respirou com ajuda de aparelhos. Ele agradece, no entanto, por não ter perdido as faculdades mentais – um risco após a falta de oxigenação no cérebro causada pelo veneno.
Hoje russo está morando na Alemanha com a esposa e o filho mais novo. “Os médicos dizem que eu posso voltar a ser até 90% eu, talvez até 100%”, disse. “Mas ninguém sabe ao certo. Sou meio que uma cobaia”.
Segundo Navalny, a sua sobrevivência se deve ao pouso de emergência no dia 20 de agosto, em Omsk, e o fato de já haver uma ambulância o esperando.
“A liderança russa desenvolveu o envenenamento de tal jeito que não vai parar de fazer isso tão cedo. Meu histórico médico será instrutivo”, disse ele, com ironia.
O envenenamento
Foram menos de 30 minutos desde que Navalny começa a se sentir mal até ficar inconsciente. No dia 20 de agosto, às oito da manhã, ele retornava de uma viagem de Tomsk, na Sibéria, para Moscou. “Eu estava ansioso para chegar em casa e passar o final de semana com minha família”, lembra.
O momento do desconforto provocado pelo veneno, no entanto, é difícil de descrever. “Não há nada para comparar”, diz ele.
“As toxinas entram no seu sistema nervoso como um ataque hacker. É uma sobrecarga que destrói. Você não consegue mais se concentrar. Posso sentir que algo está errado e começo a suar frio. Eu peço um lenço e digo [à porta-voz, Kira Yarmish]: fale comigo”, relata.
“Nada dói. Mas então eu peço ajuda e digo: preciso de ajuda, estou morrendo, fui envenenado”. O político relata que se deitou no chão e, poucos segundos depois, estava inconsciente.
Pouco depois de sua internação, um vídeo de Navalny gritando durante o envenenamento apareceu em todos os cantos da internet. Não havia, no entanto, dor naquele momento. “Era uma coisa pior, pois a dor faz você se sentir vivo. Mas naquele caso eu só pensava: esse é o fim”.
Miligramas do veneno foram encontradas em uma garrafa de água. A suspeita, contudo, é que a contaminação tenha ocorrido em uma superfície do hotel em Tomsk.
Outra desconfiança é que o veneno tenha sido aplicado em uma de suas roupas. Alguém pegou as vestimentas no hospital em Omsk e não as devolveu. “Não tenho dúvida que as minhas roupas estão fervendo em um grande tanque de água sanitária há um mês”, riu o oposicionista de Putin.
Perseguição do Kremlin
Segundo Navalny, não o assusta pensar que alguém o estava seguindo em Tomsk para envenená-lo. “Sou seguido sem parar desde 2012, muitas vezes de forma muito aberta”, disse. Na Sibéria, no entanto, nem ele nem sua equipe percebeu algo além do normal.
O uso do veneno novichok é a evidência de que o ataque foi premeditado pelo regime russo. “Putin estava por trás do crime e não tenho outra explicação para o que aconteceu”, afirmou.
“Se você está familiarizado com a realidade russa, saberá que apenas três pessoas têm autorização para fabricar essa substância, e não podem tomar uma decisão sem antes consultar Putin. Eles se reportaram a ele”.
A pressão contra os opositores russos aumentou de dois anos para cá, disse Navalny. Equipamentos confiscados, congelamento de contas e expulsão do país são cada vez mais recorrentes. Ainda assim, o político quer voltar para a Rússia.
“Não voltar significa que Putin venceu e alcançou seu objetivo. Eu não tenho medo. Eu não daria a Putin o presente de não retornar à Rússia”. E mesmo sendo um “ímã de ataques”, como se classifica, não resistir contra o regime significa colocar todos em risco a longo prazo, argumentou Navalny.
“Vou continuar viajando para as regiões da Rússia, hospendando-me em hotéis e bebendo água nos quartos. O que posso fazer? Em qualquer caso, não há como conter os assassinos invisíveis de Putin. O que resta é lutar por aqueles que defendem a liberdade”, pontuou.
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