As autoridades ucranianas dizem ter encontrado 63 corpos com sinais de tortura na cidade de Kherson, cujo controle foi retomado pelas tropas de Kiev após os soldados da Rússia baterem em retirada. Todos estão agora sendo examinados, de acordo com a revista Newsweek.
“Devemos entender que a busca apenas começou. Muitas masmorras e cemitérios serão descobertos”, disse o ministro de Assuntos Internos da Ucrânia, Denis Monastyrsky.
Somente na região de Kherson, que aos poucos vai retornando ao controle integral de Kiev, já foram identificados mais de 400 possíveis casos de crimes de guerra, segundo Monastyrsky.
Teriam sido identificados pelos ucranianos 11 centros usados pela Rússia para detenção de presos, sendo que em ao menos quatro deles há sinais de tortura. O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), afirma que um desses espaços aparenta ter sido usado como “câmara de tortura” para “torturar brutalmente” civis ucranianos sob “condições desumanas”.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que passou por Kherson no início desta semana, disse que “o exército russo deixou para trás as mesmas atrocidades que em outras regiões do país”.
Nos últimos dias, situação semelhante já havia sido identificada na cidade de Sniguriv, controlada por Moscou desde o dia 19 de março e libertada somente na semana passada. Ali, câmaras de tortura e covas coletivas foram encontradas, com sinais de a cidade também foi saqueada pelos antigos ocupantes.
Em Sniguriv, as câmaras de tortura foram encontradas na delegacia de polícia e até em restaurantes, relatou Ivan Kukhta, chefe da administração militar local. Segundo ele, houve relatos de que gritos podiam ser ouvidos ao longo de toda a cidade, com pessoas forçadas a sair de casa porque não suportavam ouvir o sofrimento de outros moradores detidos.
Em setembro, Kiev já havia denunciado a existência de ao menos dez câmaras de tortura em regiões antes ocupadas por Moscou. Um dos locais é a vila de Kozacha Lopan, a menos de dois quilômetros da fronteira russa e retomada no dia 11 de setembro em meio à grande contraofensiva ucraniana na região de Kharkiv.
Na vila, as autoridades locais teriam apreendido documentos que sugerem a criação de uma espécie de força policial pelas tropas russas durante o período de ocupação, bem como instrumentos de tortura elétrica usados contra os prisioneiros mantidos nas salas de detenção.
Já em Izyum, também em Kharkiv, foi encontrada uma vala comum com cerca de 450 corpos, segundo autoridades ucranianas.
Por que isso importa?
O governo ucraniano diz que estão em andamento investigações a respeito de mais de 25 mil crimes de guerra atribuídos às tropas russas durante o conflito. Em agosto, a procuradoria-geral do país disse que até ali havia identificado 135 pessoas ligadas a esses crimes, sendo que 15 acusados estão sob custódia.
Segundo Yuriy Bilousov, chefe do departamento de crimes de guerra da procuradoria-geral ucraniana, 13 casos de violação do direito internacional já foram levados aos tribunais, com sete sentenças emitidas. Uma delas a do soldado russo Vadim Shishimarin, primeiro militar a enfrentar um processo do gênero em quase meio ano de conflito. Ele foi condenado à prisão perpétua em maio, por matar um civil desarmado no dia 28 de fevereiro.
As investigações de crimes de guerra conduzidas por Kiev contam com o suporte ocidental, que ajuda a financiar os esforços do governo ucraniano e também tem suas próprias equipes em ação. A Alemanha, por exemplo, disse no final de junho que analisa centenas de crimes de guerra possivelmente cometidos por tropas da Rússia.
Na mira das autoridades alemãs não estariam apenas os soldados do exército russo diretamente acusados de tais crimes. Também estariam sob investigação oficiais de alta patente e políticos suspeitos de ordenar os abusos.
Quem atua igualmente nesse sentido é o Tribunal Penal Internacional (TPI), que vê na guerra uma forma de reduzir as críticas recebidas desde sua fundação, há 20 anos. Nesse período, a corte conseguiu apenas três condenações por crimes de guerra e outras cinco por interferência na Justiça.
O TPI afirmou inclusive que planeja abrir ainda neste ano o primeiro caso contra as forças armadas da Rússia. Não foram revelados detalhes de qual poderia ser este primeiro processo, embora venha sendo debatida com Kiev a entrega de pelo menos um oficial russo ao tribunal. Trata-se de um prisioneiro de guerra disposto a testemunhar contra altos comandantes russos.
No início de junho, a Comissão Europeia anunciou que destinaria 7,25 milhões de euros ao TPI, a fim de apoiar as investigações. “Neste contexto, é crucial garantir o armazenamento seguro de provas fora da Ucrânia, bem como apoiar as investigações e processos por várias autoridades judiciárias europeias e internacionais”, disse o órgão na ocasião.
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