Centenas de pessoas se reuniram em um pequeno estádio da província de Logar, a sul de Cabul, no Afeganistão, para para assistir ao açoitamento de 12 pessoas, três mulheres e nove homens, na quarta-feira (23). Condenados por crimes como roubo e adultério, os indivíduos sentiram na pele a brutalidade do Taleban, que assumiu o governo em agosto de 2021. As informações são da agência Associated Press.
O anúncio de que a punição seria aplicada com presença de público foi feito pelos talibãs através das redes sociais. O governo provincial direcionou o convite a “ilustres estudiosos, mujahideen, anciãos, líderes tribais e população local”.
De acordo com um funcionário público que pediu para não ter a identidade revelada, por não ter autorização para comentar o ocorrido, os condenados receberam entre 21 e 39 chicotadas. Entretanto, não há imagens registradas, vez que vídeos e fotos foram proibidos.
Após a sessão de açoitamento, o vice-governador de Logar, Enayatullah Shuja, publicou um comunicado deixando claro que o Taleban vai adotar em seu governo a interpretação radical da Sharia, a lei islâmica. “A Sharia é a única solução para os problemas no Afeganistão e deve ser implementada”, diz o texto.
As bárbaras punições, como chicotadas, apedrejamentos, execuções sumárias e amputações de membros, eram comuns no governo anterior do grupo, entre 1996 e 2001. E os talibãs já afirmaram que vão retomar tais práticas.
Em setembro do ano passado, o veterano líder fundamentalista afegão Nooruddin Turabi fez o alerta. “Ninguém vai nos dizer quais devem ser nossas leis. Seguiremos o Islã e faremos nossas leis sobre o Alcorão”, disse ele à época, referindo-se ao livro sagrado do Islamismo.
Práticas bárbaras
No antigo governo talibã, o destino de assassinos condenados geralmente era morrer com um tiro na cabeça, disparado pela família da vítima. Havia a opção de aceitar “dinheiro de sangue” para salvar o sentenciado da morte. As amputações de mão recaíam sobre ladrões. Já aqueles que cometiam assaltos em estradas tinham uma mão e um pé amputados.
Mais recentemente, em setembro de 2022, surgiram denúncias de que talibãs executaram sumariamente 27 rebeldes de um grupo de resistência do vale do Panjshir. Um vídeo com imagens das execuções de cinco rebeldes veio a público.
Na ocasião, Richard Bennett, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, se disse “profundamente preocupado” após tomar conhecimento do ocorrido.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), alertou que tais medidas radicais acabam por isolar o Afeganistão do resto do mundo. “Compreensivelmente, nenhum governo, nem mesmo Paquistão ou Catar, reconhece oficialmente o Taleban. Enquanto isso, o povo afegão paga um alto preço pelo isolamento de seu país: os níveis de ajuda humanitária são minúsculos em comparação com as necessidades”.
Por que isso importa?
Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Trata-se de uma necessidade urgente, pois fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. O Afeganistão tem bilhões de dólares em fundos congelados em bancos dos EUA, da Europa e do Oriente Médio.
Enquanto o reconhecimento não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional. E a razão para o isolamento global do Afeganistão é justamente o radicalismo dos talibãs, que desde a retomada de poder trouxeram de volta punições bárbaras, como o açoitamento e amputações de membros, e impuseram uma dura repressão às mulheres.
Desde a ascensão do Taleban, em agosto do ano passado, as mulheres que tinham cargos no governo afegão foram impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.
Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres sozinhas.
Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
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