A ONG Anistia Internacional classificou como “cruel” e “chocante” a recente denúncia de que o Taleban retomou a prática de açoitar publicamente pessoas acusadas de crimes. Na quarta-feira, o grupo radical que governa o Afeganistão aplicou a punição corporal a 14 pessoas, sendo três mulheres e 11 homens. Inicialmente, falou-se em 12 vítimas da brutal punição, números posteriormente atualizados pelas agências de notícia.
“O açoitamento público de mulheres e homens é um retorno cruel e chocante às práticas radicais do Taleban. Viola a proibição absoluta de tortura e outros maus-tratos de acordo com o direito internacional e não deve ser praticado em nenhuma circunstância”, afirmou Samira Hamidi, ativista da Anistia no Sul da Ásia.
A sessão de açoitamento foi realizada em um pequeno estádio da província de Logar, a sul de Cabul. Os 14 indivíduos punidos haviam sido condenados por crimes como adultério e roubo. O anúncio de que a punição seria aplicada com presença de público foi feito através das redes sociais. O governo provincial convidou “ilustres estudiosos, mujahideen, anciãos, líderes tribais e população local” a comparecer.
“A prática criminosa de flagelação pública e todas as outras formas de punição corporal devem ser interrompidas imediata e incondicionalmente, e um mecanismo formal de justiça, com julgamentos justos e acesso a recursos legais, deve ser implementado”, afirmou Hamidi, que instou a comunidade internacional a agir para cessar os abusos.
De acordo com a Anistia, o açoitamento, bem como outras formas de punição corporal, são um “desrespeito flagrantemente dos princípios básicos dos direitos humanos” e “um lembrete sombrio” do que fez o Taleban em seu governo anterior, entre 1996 e 2001.
“Essas punições ultrajantes são apenas mais um passo na legalização de práticas desumanas pelo cruel sistema de justiça do Taleban e expõem o completo desrespeito das autoridades de fato pela lei internacional de direitos humanos”, disse a ativista.
Práticas bárbaras
As bárbaras punições, como chicotadas, apedrejamentos, execuções sumárias e amputações de membros, eram comuns no governo anterior do Taleban, que já havia prometido retomar tais práticas desde que voltou ao poder, em agosto de 2021.
Em setembro do ano passado, o veterano líder fundamentalista afegão Nooruddin Turabi fez o alerta. “Ninguém vai nos dizer quais devem ser nossas leis. Seguiremos o Islã e faremos nossas leis sobre o Alcorão”, disse ele à época, referindo-se ao livro sagrado do Islamismo.
No antigo governo talibã, o destino de assassinos condenados geralmente era morrer com um tiro na cabeça, disparado pela família da vítima. Havia a opção de aceitar “dinheiro de sangue” para salvar o sentenciado da morte. As amputações de mão recaíam sobre ladrões. Já aqueles que cometiam assaltos em estradas tinham uma mão e um pé amputados.
Mais recentemente, em setembro de 2022, surgiram denúncias de que talibãs executaram sumariamente 27 rebeldes de um grupo de resistência do vale do Panjshir. Um vídeo com imagens das execuções de cinco rebeldes veio a público.
Na ocasião, Richard Bennett, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, se disse “profundamente preocupado” após tomar conhecimento do ocorrido.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), alertou que tais medidas radicais acabam por isolar o Afeganistão do resto do mundo. “Compreensivelmente, nenhum governo, nem mesmo Paquistão ou Catar, reconhece oficialmente o Taleban. Enquanto isso, o povo afegão paga um alto preço pelo isolamento de seu país, com níveis de ajuda humanitária minúsculos em comparação com as necessidades”.
Por que isso importa?
Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Trata-se de uma necessidade urgente, pois fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. O Afeganistão tem bilhões de dólares em fundos congelados em bancos dos EUA, da Europa e do Oriente Médio.
Enquanto o reconhecimento não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional. E a razão para o isolamento global do Afeganistão é justamente o radicalismo dos talibãs, que desde a retomada de poder trouxeram de volta punições bárbaras, como o açoitamento e amputações de membros, e impuseram uma dura repressão às mulheres.
Desde a ascensão do Taleban, em agosto do ano passado, as mulheres que tinham cargos no governo afegão foram impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.
Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres sozinhas.
Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
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