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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Na Rússia, financiamento coletivo ajuda a pagar multas aplicadas a quem critica a guerra

A Justiça da Rússia tem aplicado duras multas a cidadãos que contestam a guerra e o governo, com base em uma lei de março que visa a silenciar os críticos. A fim de apoiar aqueles que são condenados e não têm condição de arcar com o prejuízo, foram criados sites de financiamento coletivo especialmente dedicados a situações assim. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

O governo, claro, já colocou essas páginas na mira. Para evitar problemas, elas são invariavelmente sediadas no exterior e adotam uma estrutura descentralizada, o que dificulta inclusive o rastreamento do dinheiro e eventuais bloqueios de contas.

Sergei Stafeyev é um dos beneficiados pelos financiamentos coletivos destinados a vítimas de processos políticos. Ele foi condenado a pagar uma multa de 30 mil rublos (R$ 2,61 mil) por ter realizado um protesto individual contra a guerra e não tinha como arcar com a punição. Em caso de calote, seria provavelmente preso.

Quem ajudou Stafeyev foi o ROSshtraf, que funciona graças a uma equipe de voluntários e usa o aplicativo de mensagens Telegram para fazer a divulgação das campanhas.

“Às vezes, os valores podem não parecer muito altos. Mas, para pessoas de baixa renda, qualquer valor é significativo”, afirma Fyodor Krashenninikov, fundador do ROSshtraf.

Jovem protesta contra Putin na Praça Vermelha, Moscou (Foto: Avtozak LIVE/Reprodução Telegram)

Já Yelena Rodvikova recebeu uma multa mais salgada: 350 mil rublos (R$ 30,5 mil), sob acusação de “extremismo”. O ROSstraf precisou de apenas dois dias para arrecadar a verba necessária e livrar a mulher, que tem 47 anos e é mãe solteira, de ser presa por inadimplência. “Foi como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros e da minha alma”, disse ela. 

Não são poucas as pessoas que podem precisar de ajuda. Nos primeiros oito meses de uma guerra que teve início em 24 de fevereiro, cerca de 19 mil pessoas foram detidas por protestar contra a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, segundo a OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia. As autoridades abriram 4.777 processos administrativos e 300 criminais contra os detidos.

Não existem dados precisos sobre o valor total aplicado em multas nesse período. Porém, o ROSshtraf e outro site com a mesma finalidade, o Zaodno, dizem ter ajudado 385 pessoas, com 11 milhões de rublos (R$ 958,4 mil) arrecadados.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 26,1 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a OVD-Info registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

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