Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Carnegie Endowment for International Peace
Por Alexandra Prokopenko
Depois que Moscou se retirou do acordo de grãos ucraniano, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan levou apenas dois dias para que a Rússia voltasse ao acordo e abandonasse a ideia de bloquear a exportação de grãos ucranianos. A velocidade dessa reversão mostra o quanto a influência de Ancara em Moscou cresceu nos últimos oito meses, mudando drasticamente o equilíbrio do relacionamento a favor da Turquia.
Moscou originalmente concordou em desbloquear os portos da Ucrânia para permitir a exportação de grãos no verão, quando a Rússia parecia ter a vantagem na guerra. O Kremlin foi instado a assinar o acordo pela Turquia, principais importadores de grãos russos e ucranianos no Oriente Médio, e pela ONU (Organização das Nações Unidas).
Também era do interesse da Rússia concordar com o acordo. O afrouxamento simultâneo das sanções para permitir a exportação de grãos e fertilizantes da própria Rússia não foi oficialmente faturado como parte do acordo, mas foi acordado com os Estados Unidos e a UE (União Europeia).
O negócio de grãos também forneceu ao Kremlin mais uma preciosa alavanca de influência sobre o Ocidente. O presidente russo, Vladimir Putin, começou a sugerir que a Rússia poderia se retirar do acordo em setembro – logo após o exército ucraniano lançar sua contraofensiva bem-sucedida.
A razão oficial do Kremlin para criticar o acordo foi que o grão ucraniano estava sendo enviado em grande parte para a Europa, em vez dos países mais pobres onde era mais necessário, embora o destino do grão ucraniano não fizesse parte dos termos do acordo.
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Na realidade, Putin estava irritado porque, apesar da falta de sanções formais, as empresas europeias não retomaram os negócios como de costume com suas contrapartes russas. Os bancos continuaram a atrasar as transações ou simplesmente se recusaram a trabalhar com entidades russas; vários carregamentos de fertilizantes permaneceram bloqueados nos portos do Báltico; e os compradores estrangeiros procuraram alternativas aos fornecedores russos.
A Rússia encontrou uma desculpa para usar o acordo de grãos como alavanca sobre o Ocidente em 29 de outubro, após um ataque ao porto de Sebastopol, na Crimeia. Os militares russos disseram que a Ucrânia lançou um ataque de drone de uma embarcação civil que navegava pelo corredor designado para carga de grãos e que os navios que escoltam as cargas de grãos foram danificados no ataque. Moscou chamou de ataque terrorista e suspendeu sua participação no acordo.
Em troca de retornar ao acordo, Putin exigiu garantias de segurança por escrito para navios militares e civis dentro do corredor de grãos. Houve também demandas não públicas, como outros bancos restabelecendo relações com o Rosselkhozbank estatal (Banco Agrícola Russo). O banco não havia desempenhado anteriormente um papel significativo no comércio internacional de grãos e fertilizantes, mas o Kremlin aparentemente decidiu transformá-lo em um balcão único para pagamentos de exportações agrícolas, protegendo-o de sanções da mesma forma que protegeu o Gazprombank, canalizando através dele os pagamentos das exportações de gás.
Nos dois dias seguintes à retirada da Rússia do acordo, Erdogan anunciou que os grãos poderiam ser exportados sem o envolvimento da Rússia e falou com Putin por telefone, após o que Moscou repentinamente fez uma inversão de marcha e retornou ao acordo.
Além disso, o presidente russo prometeu que “de qualquer forma”, a Rússia não impediria a exportação de grãos ucranianos para a Turquia. Em outras palavras, mesmo que a Rússia se retire novamente do acordo, ainda será possível enviar grãos ucranianos para fora dos portos do Mar Negro. Falou-se muito nos círculos diplomáticos que Ancara “se apoiou fortemente” em Moscou, refletindo a nova fraqueza do Kremlin.
No início deste ano, a Turquia precisava de sua parceria com a Rússia mais do que a Rússia. Os russos compunham a maior parte dos turistas que passavam férias em resorts turcos (cerca de quatro milhões nos primeiros nove meses deste ano), e diplomatas turcos imploravam a Moscou que suspendesse as sanções aos produtos agrícolas turcos. Foi a Rússia que colocou o gasoduto TurkStream para a Turquia ao longo do leito do Mar Negro; a agência atômica estatal da Rússia, Rosatom, está construindo uma usina nuclear (Akkuyu) para a Turquia; e Moscou é o principal parceiro de Ancara no Cáucaso, Síria e Líbia.
Naquela época, a Rússia podia se dar ao luxo de ser exigente: em 2021, a Turquia nem estava entre os dez maiores parceiros de comércio exterior da Rússia (estava em 11ºo lugar). Tudo isso mudou com a invasão da Ucrânia pela Rússia. O volume de negócios entre a Rússia e a Turquia dobrou nos primeiros nove meses deste ano em relação ao ano anterior, atingindo US$ 47 bilhões, e no final do terceiro trimestre deste ano, a Turquia pode muito bem ter se tornado um dos três principais parceiros comerciais da Rússia, atrás apenas da China e de Belarus — e ganhando da Alemanha.
Os bens de tecnologia tiveram um crescimento particularmente estratosférico: a Rússia agora depende da Turquia para manutenção de equipamentos e outros processos de fabricação, uma vez que as importações de tecnologia para a Rússia do resto do mundo – incluindo a China – caíram significativamente. A Turquia parece ter se tornado um centro de transbordo para entregas de produtos de tecnologia da Europa. A Itália, por exemplo, aumentou significativamente sua oferta de mercadorias para a Turquia, enquanto as exportações turcas para a Rússia aumentaram em quantidades semelhantes. Tendo se recusado a aderir às sanções ocidentais contra a Rússia, a Turquia se tornou a única janela restante para a Europa para empresas e indivíduos russos.
Enquanto isso, Turkstream é agora a única rota para o transporte de gás russo para a Europa que é totalmente controlada por Moscou, após os danos causados a ambos os gasodutos Nord Stream por explosões recentes. Agora Moscou e Ancara começaram a discutir a criação de um centro de gás na Turquia.
A propaganda russa apresenta o crescimento da cooperação com a Turquia como prova de que a Rússia não está isolada no cenário internacional. Mas também tem seu outro lado. O Kremlin não pode mais ignorar as ambições e interesses de política externa de Erdogan. As empresas russas terão que oferecer descontos significativos a seus parceiros turcos para garantir que não fechem a última janela para o mercado europeu.
Haverá também um preço a pagar em casa. A Turquia nunca foi muito popular entre os ultrapatriotas russos, e agora eles estão indignados com o retorno de seu país ao acordo de grãos, que eles veem como um sinal de fraqueza.
As sanções ocidentais que vieram em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia e ao colapso das relações com o Ocidente fizeram com que a cooperação da Rússia com vários Estados não ocidentais se ampliasse dramaticamente. Em comparação com os cinco anos anteriores, os volumes médios mensais de comércio da Rússia este ano quadruplicaram com a Índia, dobraram com a Turquia e aumentaram mais de 60% com a China. Agora, a possível perda desses parceiros não apenas privaria Moscou de uma parcela considerável de suas receitas em moeda forte, mas também aceleraria o atraso da economia russa em termos de tecnologia, devido ao déficit de equipamentos e componentes importados.
O Kremlin ainda tem várias ferramentas para pressionar o Ocidente em seu arsenal, incluindo chantagem nuclear, mas a demanda russa por vários bens e importações de tecnologia está crescendo a cada dia. Como resultado, Moscou terá cada vez mais que prestar atenção aos poucos parceiros restantes, levando em consideração seus interesses ao definir políticas, inclusive no que diz respeito à Ucrânia, e pagar um preço político interno, além de um custo financeiro. A mensagem desses parceiros para Putin é alta e clara: agora “não é hora de guerra”, e o conflito com Kiev já se arrasta por muito tempo.
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