Tecnologia produzida nos EUA vem sendo usada pelo governo da China para fortalecer seu sistema de segurança e vigilância estatal, inclusive na região de Xinjiang, onde a comunidade internacional acusa Beijing de uma série de abusos contra a minoria étnica dos uigures. É o que aponta um relatório publicado pela empresa privada de segurança digital Recorded Future.
O sistema de segurança pública chinês compreende o Ministério da Segurança, organizações diretamente subordinadas a ele, departamentos de segurança pública de províncias e cidades do país, bem como a maior parte da força policial civil. “E usa regularmente tecnologia de empresas nos Estados Unidos”, diz o relatório.
O processo envolve violência estatal, incluindo vigilância em massa, perseguição de dissidentes políticos e religiosos e detenção em massa de minorias étnicas. “As entidades de segurança pública na China também têm uma missão de contra-inteligência e realizam atividades relacionadas à inteligência em casa e no exterior que visam ameaças políticas ao Partido Comunista Chinês (PCC)”, afirma o texto.
O material usado por Beijing é variado e vem de empresas norte-americanas especializadas em vigilância. A lista inclui tecnologia para infraestrutura de rede, análise de DNA, aviação, contravigilância, imagem térmica, armazenamento de dados, comunicações, equipamentos de laboratório, segurança cibernética, detecção de explosivos e narcóticos, entre outros.
“Em alguns casos, as entidades de segurança pública na China quase certamente buscam tecnologia de empresas americanas porque os produtos estrangeiros superam os equivalentes domésticos”, diz o relatório. “Em outros casos, essas entidades provavelmente buscam tecnologia dos EUA para garantir a compatibilidade com organizações parceiras chinesas que já estão usando produtos de uma determinada empresa dos EUA”.
Uma empresa citada no documento é a Ryan Technologies, sediada nos EUA e especializada em facilitar a transferência de tecnologia. Ela frequentemente atua como intermediária entre companhias norte-americanas e o usuário final chinês. Já a Thermo Fisher Scientific estabeleceu “subsidiárias locais na China que fornecem bens e serviços diretamente aos clientes chineses de segurança pública“.
Outra estratégia que ajuda Beijing a acessar a tecnologia dos EUA é a aquisição de empresas norte-americanas por chinesas. Caso da Enstrom Helicopter Corporation, comprada pela Chongqing General Aviation Industry Group. Processos assim “ajudaram o crescimento das indústrias domésticas da China e facilitaram as vendas de produtos dos EUA para usuários finais de segurança pública”.
Algumas gigantes globais da tecnologia são citadas no relatório, vez que o governo chinês “quase certamente usa hardware de rede e comunicação da IBM, H3C, Cisco, Comtech e Motorola em vários sistemas de informação”.
No caso específico de Xinjiang, o estudo aponta que 81 discos rígidos da Seagate e da Western Digital foram adquiridos pelas autoridades da China em 2022. “Incluindo unidades especializadas em vigilância e unidades adquiridas juntamente com equipamentos dos principais fornecedores de vigilância da China”, diz o texto. “Outras entidades em Xinjiang, como prisões pertencentes ao paramilitar Xinjiang Production and Construction Corps, também realizaram recentemente compras orientadas para vigilância”.
Vigilância absoluta
Uma investigação conduzida por jornalistas do The New York Times, cujo resultado foi publicado em junho deste ano, já havia revelado detalhes do aparato de segurança chinês. Fazem parte do arsenal de espionagem as já conhecidas câmeras de reconhecimento facial, aparelhos capazes de rastrear celulares e analisar o conteúdo deles, um dos maiores bancos de DNA do mundo e, mais recentemente, tecnologias que permitem identificar uma pessoa através da voz e da íris.
Atualmente, estão espalhadas por todo o mundo quase um bilhão de câmeras de vigilância. Segundo especialistas, mais da metade se concentra na China, constituindo a principal arma do governo para espionar seus próprios cidadãos.
Essas câmeras estão posicionadas em locais estratégicos, de forma a maximizar a possibilidade de coletar dados dos cidadãos, explorando áreas onde as pessoas comem, fazem compras e se divertem. A imagem registrada permite identificar a etnia e o sexo do indivíduo, dizer se usa óculos ou está de máscara. Um dos documentos ligados à compra dessas câmeras não dá margem a dúvidas, afirmando que a meta é “controlar e gerenciar pessoas“.
Falar ao telefone também não é seguro na China. Há equipamentos que se aproveitam da eventual fragilidade de segurança de um celular para extrair informações dele. Em Beijing, a polícia fez um pedido, em 2017, para obter rastreadores que “coletassem os nomes de usuários dos proprietários de telefones em aplicativos populares de mídia social chinesa”.
Com o objetivo de rastrear quem o governo classifica como “criminoso”, uma série de novas tecnologias estão sendo implementadas. Em Xinjiang, por exemplo, existe um banco de dados de íris, capaz de armazenar os registros dos olhos de mais de 30 milhões de pessoas. Amostras de DNA de homens também têm sido coletadas, o que viabiliza o rastreamento não apenas do dono do material genético, mas de algumas gerações ao longo da linha paterna da família.
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