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domingo, 2 de outubro de 2022

Navios chineses invadem Pacífico Sul e ameaçam a indústria pesqueira sul-americana

A indústria pesqueira da China se expandiu em um ritmo alucinante nos últimos anos, formando a maior frota do mundo para pesca em águas profundas, com cerca de três mil embarcações. Um dos pontos de maior concentração de pesqueiros chineses no mundo é o Pacífico Sul, impactando de forma negativa na indústria pesqueira de países sul-americanos e colocando em risco o ecossistema local. As informações são do jornal The New York Times.

As operações da frota pesqueira chinesa é, na maioria dos casos, legal, pois se concentra no alto mar, fora da ZEE (zona econômica exclusiva) de países como Peru, Argentina e Equador, área que se estende a até 200 milhas náuticas do território. Entretanto, o volume de pesca é tamanho que os pesqueiros locais que atuam dentro dos domínios desses países começaram a sentir o impacto.

“Nosso mar não aguenta mais essa pressão”, disse Alberto Andrade, pescador das ilhas Galápagos, no Equador, um patrimônio mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que inspirou a teoria da evolução de Charles Darwin. “As frotas industriais estão arrasando os estoques, e tememos que no futuro não haja mais pesca. Nem a pandemia os deteve”.

Pesqueiros chineses são um problema crescente na América do Sul (Foto: reprodução/Twitter)

Uma das estratégias que permitem à China pescar em escala industrial tão longe de seu próprio território é o uso de navios de carga refrigerados. Eles permanecem no mar por longos períodos, perto dos navios pesqueiros, e servem apenas para armazenar o produto da pesca. Assim, evitam que as embarcações menores precisem realizar viagens longas para descarregar o peixe no continente, permanecendo no mar por períodos de até um ano.

Um desses cargueiros refrigerados é o Hai Feng 718, que também carrega suprimentos e combustível para navios menores. De acordo com a ONG Global Fishing Watch, que recolhe dados de geolocalização de embarcações, somente entre junho de 2021 e junho de 2022 o gigante chinês recebeu 70 visitas de outras embarcações na costa da América do Sul, sendo que cada descarga representa toneladas de peixe.

Embora a prática de transferir a carga para um barco maior não seja ilegal, especialistas afirmam que ela pode ajudar a esconder a origem da carga e relatar uma quantidade de pesca inferior à real. Outra ação que pode esconder irregularidade é desligar o sistema de localização, uma prática comum. Ela permite, por exemplo, que o pesqueiro atue dentro da ZEE de um país sem que a presença seja registrada.

O enorme volume de pesca dos navios chineses preocupa não apenas os pescadores locais, mas também os ambientalistas. Uma situação particularmente delicada é o caso da pesca de lulas. Entre 1990 e 2019, o número de barcos de pesca de lulas em águas profundas subiu de seis para 528, e a captura anual foi de cinco mil toneladas para 278 mil, segundo a Global Fishing Watch. Em 2019, a China foi responsável por quase todos os barcos de lula que operam no Pacífico Sul.

“A preocupação é o grande número de navios e a falta de prestação de contas, para saber o quanto está sendo pescado e para onde está indo”, disse Marla Valentine, oceanógrafa do grupo conservacionista Oceana. “Estou preocupada que os impactos que estão acontecendo agora se espalhem no futuro. Porque não são apenas as lulas que serão afetadas. Vai ser tudo o que se alimenta da lula também”.

Reação sul-americana

Em 2020, o Equador apresentou um protesto a Beijing, que prometeu agir para controlar a situação. No entanto, o governo chinês se limitou a impor uma moratória nos períodos em que os peixes são menos abundantes. Também cortou subsídios governamentais e limitou o tamanho da frota, sem reduzi-la. Nada, porém, que tenha causado impacto positivo relevante.

Por sua vez, a ONG conservacionista Gallifrey Foundation ingressou com ação na Justiça da Argentina cobrando ação mais firme do governo local no que tange à preservação ambiental. Até os EUA entraram na parada, fornecendo US$ 60 milhões anuais aos países da região ao longo da próxima década.

Em termos ambientais, porém, as medidas são insuficientes. E, com o aumento constante do consumo de pescado, que atingiu um recorde em 2019, a única forma de contornar o problema é a conscientização de quem pesca. Sobretudo a China.

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