Belarus tem um papel importante na guerra iniciada no dia 24 de fevereiro e ainda em curso na Europa. O país comandado por Alexander Lukashenko permitiu que a Rússia, governada pelo aliado Vladimir Putin, acumulasse tropas na região de fronteira e posteriormente usasse o território belarusso como passagem para a invasão da Ucrânia. Embora não tenha oficialmente cedido soldados para reforçar as fileiras russas, Minsk também abriu seus hospitais para receber secretamente soldados feridos, assim omitindo o real impacto do conflito sobre as forças armadas do Kremlin. As informações são da rede CNN.
Imagens de satélite divulgadas pela empresa especializada Maxar Technologies indicam que Belarus criou inclusive hospitais de campanha para receber os militares do país aliado na cidade de Mazyr, a cerca de 50 quilômetros da fronteira com a Ucrânia. As fotos também mostram veículos militares provavelmente usados pelas forças armadas da Rússia para transportar os feridos. Cenas semelhantes foram identificadas nas cidades de Naroulia e Gomel.
“Podemos confirmar que eles (russos) usaram a infraestrutura belarussa, incluindo prédios médicos e hospitais de campanha. Eles também usaram necrotérios e usaram estações de trem ou bases aéreas para transportar mortos ou feridos. Temos fotos disso”, afirmou Anton Motolko, um blogueiro que fugiu de Minsk em 2020.
Ao receber os feridos, o governo belarusso desempenha um papel fundamental de ajuda a Moscou para esconder o número de baixas russas na guerra. Após mais de oito meses de conflito, os principais dados a respeito são fornecidos por órgãos de inteligência ocidentais. Em agosto, por exemplo, Washington disse que aproximadamente 80 mil militares russo foram mortos ou feridos. No mês passado, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, fez um balanço mais otimista: seis mil mortes.
Médicos ameaçados
Os médicos belarussos incumbidos de tratar os militares são obrigados a assinar termos de confidencialidade para que não revelem qualquer informação sobre o que presenciaram a respeito da guerra. Alguns deles, após participar da campanha de apoio aos feridos, têm optado por fugir de Belarus.
Um desses médicos, que por motivo de segurança usa o nome falso Andrei, conta que a mobilização teve início antes mesmo da invasão. Enquanto as tropas russas se acumulavam perto da fronteira, preparando-se para atacar a Ucrânia, a ordem era tratar soldados russos de graça até o dia 10 de março. A expectativa de Moscou era a de que, até esta data, o conflito teria se encerrado com vitória russa.
“Eles nos avisaram que não tínhamos permissão para compartilhar nenhuma informação sobre soldados russos. Tivemos que assinar um formulário de confidencialidade, proibindo-nos de compartilhar quaisquer fotos ou documentos”, diz Andrei, que cuidou de muitos feridos.
Em março, o médico, junto com alguns colegas, chegou a ser preso sob uma acusação de corrupção que ele diz ter sido forjada. Especula que foi uma estratégia de Minsk para desencorajá-los a revelar o esquema ou mesmo deixar o país. Mais tarde, em maio, foi libertado e resolveu fugir com a família, levando escondido imagens de raio-x de militares atendidos em Mazyr.
“Eles nos disseram que estávamos sendo observados pela Agência Federal de Segurança da Rússia (FSB), que eles tinham maneiras de monitorar nossos telefones”, afirma o médico, que relata a presença constante de agentes da KGB belarussa no hospital em que trabalhava.
O médico diz que recebeu soldados com os mais diversos ferimentos: baleados, com fraturas resultantes de explosões, muitos necessitando de amputações… Segundo ele, as cirurgias necessárias eram em maior número que as mesas cirúrgicas disponíveis. Embora não tenha apresentado provas, Andrei diz que os feridos eram em sua maioria jovens e inexperientes, muitos deles conscritos de regiões remotas da Rússia.
Conscritos são jovens recrutados mesmo contra a própria vontade, o que exporia uma mentira do governo russo. Antes da mobilização parcial anunciada por Putin em setembro, Moscou dizia que apenas soldados profissionais faziam parte do que o governo chama de “operação militar especial“. Em março, porém, o Ministério da Defesa admitiu que alguns conscritos foram enviados por engano e logo a seguir voltaram à Rússia. Inclusive, houve a promessa de punições aos oficiais que os enviaram à guerra.
Aliança Rússia-Belarus
Lukashenko não esconde a presença de soldados russos em hospitais de seu país. Durante uma reunião do Conselho de Segurança belarusso, em março, ele chegou a afirmar que no entre 160 e 170 militares foram atendidos com ferimentos da guerra, no máximo. Andrei e outros médicos, porém, dizem que os números divulgados pelo presidente omitem a dura realidade das tropas russas. Segundo eles, entre 40 e 50 feridos chegavam diariamente precisando de atendimento somente em Mazyr.
“Nós, os médicos do hospital, pensamos que talvez eles estivessem preocupados com a segurança, então os trouxeram sob o manto da noite. Eles estavam com medo do tráfego rodoviário para ver a cruz vermelha em seus veículos”, conta o médico.
A revelação de que Belarus recebe soldados feridos reforça a pressão sobre Minsk por seu envolvimento na guerra. A aliança entre os países, anterior à invasão, já gerou críticas a Lukashenko por submeter o país às ordens de Moscou. O jornalista russo Konstantin Eggert afirmou, em artigo publicado pela rede alemã Deutsch Welle, em março, que “o Kremlin vem consolidando seu controle sobre o país vizinho” nos últimos anos.
Segundo Eggert, “tudo o que o Kremlin está fazendo aponta para o objetivo de a Rússia absorver Belarus de uma forma ou de outra, embora possa permanecer oficialmente no mapa com Lukashenko como governante”.
O próprio presidente belarusso levantou a possibilidade de seu país ser absorvido pela Rússia, em agosto do ano passado, embora não tenha manifestado muito otimismo na conclusão do processo. “Quando falamos de integração, devemos entender claramente que isso significa integração sem nenhuma perda de Estado e soberania”, disse na ocasião.
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