Membros do Taleban executaram sumariamente 27 rebeldes de um grupo de resistência do vale do Panjshir, no Afeganistão, em setembro, em meio a um confronto entre as duas facções. A constatação é do projeto de código aberto Afghan Witness (Testemunha Afegã, em tradução literal), do Reino Unido, que realizou uma investigação e publicou um relatório sobre o episódio.
Um vídeo com imagens das execuções de cinco rebeldes veio a público em setembro. Na ocasião, Richard Bennett, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, se disse “profundamente preocupado” após tomar conhecimento do ocorrido.
As imagens mostram o que seriam cinco integrantes da milícia NRF (Frente de Resistência Nacional, da sigla em inglês), grupo que faz resistência aos talibãs e que opera sobretudo nas províncias de Panjshir e Baghlan, no nordeste do país. Os homens aparecem ajoelhados, com as mãos amarradas atrás do corpo, e são mortos com tiros de rifles automáticos.
O próprio Taleban confirmou à época que 40 combatentes da NRF teriam sido mortos na troca de tiros, sem qualquer menção às execuções. O porta-voz Zabihullah Mujahid disse que as mortes, bem como a captura de 101 rebeldes, ocorreram em uma “operação de limpeza em larga escala”.
Usando técnicas de código aberto, o Afghan Witness analisou os vídeos, bem como fotos disponíveis, e concluiu que as execuções foram mesmo conduzidas por talibãs. Dez homens, inclusive os cinco que aparecem nos vídeos, foram mortos no distrito de Dara.
O AW reuniu “evidências confiáveis” de mais 17 execuções, a partir de outras imagens publicadas nas redes sociais . No total, são 27 execuções sumárias e mais 30 mortes que ocorreram em meio à ofensiva do Taleban contra o grupo de resistência, totalizando 57 vítimas entre os rebeldes.
“Usando técnicas de código aberto, estabelecemos os fatos em torno da execução sumária e sistemática de um grupo de homens no vale de Panjshir em meados de setembro”, disse à agência Associated Press David Osborn, que lidera a equipe do Afghan Witnes. “No momento de sua execução, os detidos estavam amarrados, não representando ameaça aos seus captores talibãs”.
O relatório destaca ainda a indiferença dos executores, que agem como se aquele “fosse qualquer outro dia para um combatente do Taleban no Panjshir”, com alguns deles fazendo fotos, vídeos e brincadeiras a respeito das vítimas.
“Nenhum dos vídeos mostra combatentes do Taleban fora de controle, agitados ou desconfortáveis com os eventos que se desenrolam à sua frente”, diz o relatório. “Os combatentes são vistos e ouvidos rindo enquanto escoltam e interrogam prisioneiros”.
Por que isso importa?
Nos últimos meses, o Taleban entrou na mira da ONU e de entidades humanitárias globais por sua inabilidade de governar o Afeganistão, inclusive no campo da segurança, e pela dura repressão que impõe sobretudo às mulheres e meninas afegãs.
Na abertura da 51ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro, mais de 20 governos e entidades condenaram a repressão de gênero no Afeganistão. As críticas globais foram motivadas sobretudo pela a proibição imposta às meninas na educação, com as escolas de ensino médio fechadas e alunas obrigadas a ficar em casa quando deveriam estar estudando.
No final de agosto, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), também havia condenado a atuação dos radicais como governantes afegãos de fato, pouco depois de eles completarem um ano no poder, no dia 15 daquele mês.
“O Afeganistão pode ter saído das manchetes. No entanto, a situação de seu povo é terrível”, dizia texto, listando ainda abusos cometidos pelos radicais que contrariam a moderação prometida após a tomada de poder. “Todas as meninas, apesar das promessas anteriores, são proibidas de estudar; vastas áreas do país são assoladas pela fome (70% da população); e muitos afegãos vivem com medo ou no exílio”.
Já em setembro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou relatório destacando a ineficiência dos talibãs em sua obrigação de proteger a população local, especialmente algumas minorias xiitas, das ações violentas do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). O documento foca particularmente no caso dos hazaras.
“Desde a tomada do Taleban, combatentes ligados ao Estado Islâmico cometeram vários ataques brutais contra membros da comunidade hazara enquanto iam para a escola, para o trabalho ou para rezar, sem uma resposta séria das autoridades do Taleban”, disse Fereshta Abbasi, pesquisador da ONG para o Afeganistão. “O Taleban tem a obrigação de proteger as comunidades em risco e ajudar as vítimas de ataques e suas famílias”.
O descaso com a minoria xiita contraria uma das muitas promessas feitas pelo Taleban quando chegou ao poder. “Como governo responsável, somos encarregados de proteger todos os cidadãos do Afeganistão, especialmente as minorias religiosas do país”, disse em outubro de 2021 o porta-voz do Ministério do Interior Saeed Khosty.
A promessa não cumprida chegou a ser citada pelo próprio Richard Bennett, que em maio deste ano pediu investigações sobre os ataques às comunidades hazara, xiita e sufi, destacando que eles estão “se tornando cada vez mais sistemáticos por natureza e refletem elementos de uma política organizacional, trazendo assim marcas de crimes contra a humanidade”.
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