Uma explosão matou dois soldados da Minusma, a missão de paz da ONU no Mali, na segunda-feira (17). O veículo onde eles estavam atingiu um IED (dispositivo explosivo improvisado) na região de Kidal, deixando ainda outros quatro militares feridos, de acordo com a agência Reuters.
De acordo com as Nações Unidas, os soldados participavam de uma missão para detectar e desarmar minas terrestres quando o veículo deles foi atingido pela explosão. A Minusma tem atualmente 12 mil soldados em ação no Mali e é a missão com maior número de baixas desde que foi estabelecida, em 2013, com 174 mortes.
Em junho deste ano, no Memorial Anual para honrar os funcionários que morreram em serviço, a ONU anunciou que, no período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2021, registrou o maior número de mortes de servidores em um ano.
No total, 485 funcionários das Nações Unidas morreram em 2021, sendo 414 civis. De acordo com o chefe da organização, o secretário-geral António Guterres, eles eram de 104 nações de todos os cantos do mundo. Desde a fundação, mais de 3,5 mil homens e mulheres perderam a vida enquanto serviam à entidade.
Ole Bakke, norueguês servindo na Palestina, foi a primeira vítima da história da ONU, morto a tiros em julho de 1948. Dois meses depois, Folke Bernadotte, da Suécia, mediador na Palestina, foi o segundo a ser morto. Já o secretário-geral Dag Hammarskjöld, junto com outras 15 pessoas, morreu em um acidente de avião na antiga Rodésia, atual Zâmbia, em 1961.
Três décadas depois da morte de Hammarskjöld, o número e a escala crescentes de missões de paz da ONU passaram a colocar muitos funcionários em risco. Mais vidas foram perdidas durante a década de 1990 do que nas quatro décadas anteriores combinadas.
Recentemente, a ONU se tornou um alvo como entidade, com suas instalações atacadas três vezes: em Bagdá, 2003, Argel, 2007, e Cabul, 2009. O atentado em Bagdá matou o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que servia como alto comissário para os direitos humanos.
De 2013 a 2017, um aumento consistente nas mortes de soldados de paz devido a atos violentos resultou em 195 mortes.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao EI, o que levou a uma explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação torna-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto deste ano colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris gera dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.
Quem assumiu o vácuo dos franceses foi o Wagner Group, um grupo russo de mercenários que firmou acordo de cooperação com Goita. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.
Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas não tem nenhuma relação com a chegada dos mercenários, como se especulava. Ele diz que o governo militar maliano desde o início deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.
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