A jornalista australiana Lynne O’Donnell, experiente correspondente de guerra que atualmente trabalha para a revista Foreign Policy, diz ter sido coagida pelo Taleban a desmentir matérias jornalísticas de autoria dela sobre a repressão no Afeganistão. A revelação foi feita em um artigo publicado na quarta-feira (20).
O’Donnell conta que esteve no Afeganistão nesta semana. “Eu queria ver por mim mesma o que havia acontecido com o país desde que saí de Cabul em 15 de agosto de 2021, horas antes de os islâmicos começarem o que muitos moradores agora chamam de ‘reinado de terror'”, disse ela, citando a data em que os talibãs assumiram o poder.
No entanto, optou por ir embora após ser detida por membros do Taleban. “Deixei o Afeganistão hoje depois de três dias de gato e rato com agentes de inteligência do Taleban, que me detiveram, abusaram e me ameaçaram e me forçaram a publicar uma retratação pouco alfabetizada de relatórios que eles disseram ter violado suas leis e ofendido a cultura afegã”.
As matérias que tanto incomodam os radicais relatam a situação de pessoas LGBT no país e casos de mulheres forçadas a casar com combatentes. Segundo ela, os agentes que a detiveram afirmaram que as informações contidas nas matérias “eram fantasias, mentiras, inventadas e que minhas fontes não existiam”.
A jornalista relata que, durante o tempo em que ficou nas mãos do Taleban, foi monitorada por diplomatas australianos e por um colega, este usando o sistema de localização do WhatsApp. “Enviei mensagens de texto ao vivo as quatro horas inteiras, a eles e a meus editores da Foreign Policy“, contou.
Com base no encontro, ela classifica os talibãs como “homens violentos, orgulhosos de sua violência”, destacando ainda “sua incompetência e sua total falta de capacidade de governar”. E sentencia: ‘O Afeganistão foi vítima de terroristas que não fizeram e não podem fazer a transição da força de combate para o governo”.
Chá com biscoitos
Ameaçada de prisão se não obedecesse, ela recebeu ordens para se retratar publicamente sobre o material publicado, dizendo que “tinha inventado tudo”. Foi, então, levada à agência de inteligência, onde “eles me deram chá, me ofereceram doces, falaram sobre seus animais de estimação, me perguntaram sobre minha vida pessoal e até me ajudaram a conectar o carregador do meu telefone”.
O’Donnell conta que tentou mostrar aos talibãs que a estratégia não era boa: “Com toda a sinceridade, com a mão no coração, isso não é uma boa ideia. Isso vai fazer vocês parecerem bobos”. Em vão.
Ela publicou no Twitter um texto ditado pelos raptores e depois gravou um vídeo dizendo que não tinha sido coagida. Tanto o texto quanto o vídeo tiveram que ser refeitos após a versão inicial desagradar os talibãs, segundo ela: “Nós rimos, fizemos de novo, tomamos mais chá, e então eles me levaram de volta para minha casa de hóspedes”.
No final, a australiana diz que os agentes talibãs disseram que estava “livre” e que poderia “ir a qualquer lugar do país”, acrescentando: “Nós a ajudaremos”.
Após deixar o país, O’Donnell promete que não mais voltará ao Afeganistão: “Nem a maioria dos outros jornalistas ocidentais, muitos dos quais também foram perseguidos, incomodados e expulsos nesta semana. A outrora orgulhosa mídia independente do Afeganistão não existe mais, e agora não há mais ninguém. O país está mergulhando em uma paisagem infernal de terror, fome e pobreza. Mas quem vai contar a história?”.
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