A jornalista russa Marina Ovsyannikova foi liberada pelas autoridades russas após permanecer algumas horas sob custódia. Famosa por ter realizado um protesto antiguerra ao vivo na televisão estatal, durante a exibição de um noticiário no Canal 1 (Piervy Kanal), ela foi detida no domingo (17), quando recebeu a visita de policiais na casa onde mora. O tempo que permaneceu sob poder da polícia, entretanto, não parece ter amedrontado a ativista, que falou em tom desafiador e deu a entender que fará novas manifestações.
Ovsyannikova usou o Facebook para informar sobre a libertação. “Estou em casa agora. Está tudo bem. Foi o ‘primeiro aviso’. Mas agora sei que é melhor sair de casa com uma mala e um passaporte, só por precaução. Obrigado ao vizinho que estava perto nesse momento. Ele me trouxe coisas e chamou o meu advogado e amigos”, disse ela.
Em outro post, no qual explica sua situação judicial, a jornalista afirmou que o caso relacionado à entrevista será julgado no dia 28 de julho. Também disse que no dia 8 de agosto haverá uma segunda audiência, essa relacionada a uma série de posts feitos no Facebook que igualmente incomodaram o Kremlin.
Ovsyannikova também explicou uma multa que recebeu anteriormente e sugeriu que uma nova seria imposta. “A primeira multa foi de um mínimo de 30 mil rublos. Isso é para o post no Facebook no qual expliquei os motivos do meu protesto ao vivo”, afirmou a jornalista. “Você acha que desta vez a multa por desacreditar o exército será dos mesmos 30 mil rublos? Ou vai subir para um máximo de 50 mil?”.
Na mesma publicação, a jornalista ainda questionou se o protesto solitário será punido. “Que punição, na opinião deles, merece uma ação no aterro Sofiyskaya em memória das crianças ucranianas assassinadas?”, disse.
Por fim, ela falou em tom desafiador e sugeriu que não ficará calada, apesar da perseguição das autoridades. “Eu sei que na Rússia é muito perigoso dizer a verdade. Mas, ainda assim, alguém tem que fazê-lo. Caso contrário, eles continuarão a matar crianças enquanto estamos calados covardemente…”.
Protesto ao vivo
A manifestação que deu notoriedade à jornalista ocorreu no dia 14 de março. Com a transmissão do telejornal no ar, ela surgiu repentinamente atrás da apresentadora e exibiu um cartaz escrito em russo e inglês que dizia: “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ovsyannikova ficou no ar durante alguns segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 2,23 mil, no câmbio atual). Mais tarde, ela anunciou que havia pedido demissão e chegou a deixar o país, tendo inclusive morado na Ucrânia e trabalhado como correspondente no jornal alemão Die Welt. Ela voltou à Rússia em julho.
A prisão deste domingo, porém, não estaria diretamente relacionada ao protesto na TV. De acordo com a rede Radio Free Europe, ela foi detida sob a acusação de “desacreditar o uso das forças armadas”. A infração teria sido cometida em uma entrevista na qual ela defendeu o proeminente oposicionista Ilya Yashin, crítico do governo Putin preso em junho por “espalhar notícias falsas” sobre a guerra.
Na semana passada, Ovsyannikova realizou outro protesto público e solitário, exibindo um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e as palavras “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”. No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas. Ela não foi detida na ocasião.
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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