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quarta-feira, 27 de julho de 2022

Empresas de tecnologia da China continuam a atuar nos EUA, apesar da ameaça crescente de espionagem

Na semana passada, a agência Reuters revelou que o Departamento do Comércio norte-americano investiga desde 2021 a possibilidade de a empresa chinesa Huawei utilizar equipamentos instalados em torres de telefonia móvel nos EUA para captar dados confidenciais das forças armadas e repassá-los a Beijing. De acordo com a rede CNN, esse caso é parte de uma grande operação de Washington para combater a espionagem chinesa, que atingiu níveis sem precedentes na última década. Ainda assim, até hoje o governo norte-americano não conseguiu impedir efetivamente que empresas de telecomunicação do país utilizem equipamentos da China, apesar das muitas ações nesse sentido.

Segundo Christopher Wray, diretor do FBI (Serviço Federal de Investigação, da sigla em inglês), a agência abre uma investigação de contrainteligência ligada à China a cada 12 horas. “Isso dá provavelmente cerca de duas mil investigações”, disse ele. “E nem estamos falando do roubo cibernético, onde eles têm um programa de hackers maior do que o de todas as outras grandes nações combinadas e roubaram mais dados pessoais e corporativos dos americanos do que todas as nações juntas”.

Um caso que exemplifica a grande operação de contraespionagem ocorreu em 2017, quando o governo chinês se dispôs a investir US$ 100 milhões na construção de um jardim chinês em Washington, que se tornaria um grande atrativo turístico. O projeto, á primeira vista muito interessante, acabou interrompido porque autoridades norte-americanas desconfiaram das reais intenções de Beijing.

Por exemplo, a obra seria feita em um dos pontos mais altos da cidade, muito perto do Capitólio, local perfeito para eventual coleta de dados digitais de inteligência. Já o material usado na construção chegaria aos EUA em malas diplomáticas, o que impede a fiscalização por parte de agentes alfandegários.

Em situações como essa, a suspeita das autoridades federais norte-americanas é a de que aparelhos de telecomunicação chineses seriam posicionados em locais estratégicos, sendo assim usados para interceptar ou mesmo interromper as comunicações do Departamento de Defesa. Em um caso extremo, seriam capazes de interferir na operação do arsenal nuclear dos EUA.

Sede da chinesa Huawei nos Estados Unidos: suspeita de espionagem pró-Beijing (Foto: Flickr)
Huawei e cia.

Principal foco de desconfiança no que tange à espionagem de empresas privadas pró-Beijing, a Huawei continua presente em território norte-americano. Em 2019, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) determinou que as pequenas companhias de telecomunicações locais estavam proibidas de usar aparelhos de fornecedores da China, a Huawei entre eles. No ano seguinte, o Congresso norte-americano aprovou um orçamento de US$ 1,9 bilhão para a remoção dos equipamentos de áreas rurais.

Até hoje, entretanto, os chineses continuam a operar, vez que as empresas de telecomunicações dos EUA ainda aguardam a verba prometida que lhes permitiria substituir a aparelhagem. Uma atualização do dia 15 de julho indica que faltam US$ 3 bilhões para viabilizar a mudança. Agora, o plano da FCC é reembolsar 40% dos custos de remoção para candidatos aprovados, mas não há um prazo definido.

O que pode acelerar esse processo é justamente a investigação do Departamento do Comércio. A depender do resultado, a Huawei pode ser considerada uma ameaça à segurança nacional, o que ampliaria consideravelmente as já existentes restrições impostas à companhia. Num caso extremo, ela poderia ser impedida de operar no país, com todos que eventualmente usem equipamentos dela sendo obrigados a trocá-los rapidamente.

Em sua defesa, a Huawei alega que seus produtos importados para os EUA “foram testados e certificados pela FCC antes de serem implantados”. Diz ainda que os equipamentos operam “apenas no espectro alocado pela FCC para uso comercial”, sendo assim impossível acessar dados alocados no Departamento de Defesa. 

O argumento da empresa, porém, não convenceu o FBI, que avaliou os equipamentos da Huawei. A constatação é a de que eles podem, sim reconhecer e até interromper comunicações do Departamento de Defesa, mesmo em conformidade com as normas da FCC.

“Tecnicamente, não é difícil fazer um dispositivo que esteja em conformidade com a FCC e que escute bandas não públicas, mas que aguarde silenciosamente por algum gatilho de ativação, ouvir outras bandas”, disse Eduardo Rojas, que lidera o laboratório de espectro de rádio da Universidade Embry-Riddle Aeronautical, na Flórida. “Tecnicamente, é viável”.

Por que isso importa?

Huawei enfrenta crescente desconfiança global na construção de redes 5G, com sua presença rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, baniram a infraestrutura da fabricante no 5G por medo de que a China possa usá-la para espionagem

A desconfiança é baseada na suposta proximidade da companhia com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar a gigante da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).

Um caso em particular se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana descobriu que os servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos servidores foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.

Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China.

No Brasil, o aumento da presença da Huawei na rede de telefonia vai na contramão da tendência global. São da empresa chinesa mais de 80% das antenas que retransmitem sinal das atuais redes 2G, 3G e 4G brasileiras. E, de acordo com conteúdo patrocinado publicado em portais como O Globo em maio de 2021, a companhia dizia ser responsável por mais de cem mil quilômetros de fibra óptica no país.

A alternativa encontrada pelo governo brasileiro para reduzir o impacto de eventuais brechas de segurança foi a criação de uma rede 5G governamental exclusiva, sem a presença de infraestrutura chinesa. “Hoje, a Huawei não está apta a participar da rede privativa, segundo o que foi colocado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela nossa portaria”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no início de novembro, quando foi realizado o leilão das bandas de 5G.

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