O governo militar de Mianmar, que tomou o poder através de um golpe de Estado em fevereiro de 2021, pretende usar a tecnologia chinesa para fortalecer o mecanismo de repressão no país. E o fará através da instalação de novas câmeras de vigilância com capacidade para fazer reconhecimento facial, de acordo com reportagem da agência Reuters.
Atualmente, cinco cidades de Mianmar já contam com sistema de reconhecimento facial, que permite ao governo identificar pessoas de interesse, sejam criminosos ou apenas dissidentes. De acordo com três pessoas que conhecem os planos da junta militar, mas por segurança não querem ser identificadas, cinco novas localidades receberão as câmeras, cujo objetivo é, oficialmente, combater a criminalidade.
As fornecedoras dos aparelhos serão três companhias da China: Zhejiang Dahua, Huawei e Hikvision. Já os softwares de reconhecimento facial tendem a ser produzidos por empresas de Mianmar, segundo as fontes, vez que as licenças das versões chinesas custam caro demais.
Vigilância made in China
Atualmente, estão espalhadas por todo o mundo quase um bilhão de câmeras de vigilância. Segundo especialistas, mais da metade se concentra na China, constituindo a principal arma do governo local para espionar seus próprios cidadãos.
Essas câmeras estão posicionadas em locais estratégicos, de forma a maximizar a possibilidade de coletar dados dos cidadãos, explorando áreas onde as pessoas comem, fazem compras e se divertem. A imagem registrada permite, por exemplo, identificar a etnia e o sexo do indivíduo, dizer se usa óculos ou está de máscara. E a China tem exportado essa tecnologia.
Em dezembro do ano passado, foi revelado que o governo da Sérvia planejava instalar nas ruas do país em 2022, sobretudo na capital Belgrado, 8,1 mil câmeras de vigilância da empresa chinesa Huawei. O Kosovo, por sua vez, firmou um acordo com a Zhejiang Dahu no final de 2021 para fazer o mesmo.
A possibilidade de Mianmar entrar na lista de compradores das tecnologias de vigilância da China chama a atenção de grupos de direitos humanos, que alertam para os riscos de o sistema fortalecer a já violenta repressão do governo local.
“Câmeras de vigilância representam um sério risco para os ativistas da democracia porque os militares e a polícia podem usá-las para rastrear seus movimentos, descobrir conexões entre ativistas, identificar casas seguras e outros pontos de encontro e reconhecer e interceptar carros e motocicletas usados por ativistas”, disse Phil Robertson, vice-diretor da ONG Human Rights Watch (HRW) para a Ásia.
Ditadura digital
A situação não é nova em Mianmar. No início de junho, relatores de direitos humanos independentes a serviço da ONU (Organização das Nações Unidas) condenaram o que chamaram de “tentativas da junta militar de estabelecer uma ditadura digital” no país asiático.
Entre as ações governamentais voltadas a vigiar a população digitalmente, os relatores destacaram as restrições no acesso à internet, as quedas propositais de conexão, a censura online e outras barreiras de acesso à rede.
O bloqueio a sites e a plataformas de redes sociais como Facebook é constante em Mianmar. A junta militar também obrigou as companhias que fornecem internet a aumentarem o preço dos pacotes de dados e dos cartões SIM, tornando os serviços inacessíveis a muitos.
No que tange às câmeras de vigilância, o sistema já está ativo, e os novos acordos o ampliariam. De acordo com Nyi Thuta, um ex-capitão que desertou do exército no final de fevereiro de 2021, as forças armadas birmanesas têm oficiais dedicados a analisar o conteúdo de câmeras de vigilância atualmente instaladas, justamente a fim de detectar a movimentação de oposicionistas.
Segunda maior cidade do país, Mandalay tem atualmente cerca de 300 câmeras da Huawei, com a perspectiva de que centenas de novas sejam instaladas. Já o Estado de Rakhine, cenário de um violento confronto entre forças do governo e rebeldes armados, recebe sistema de monitoramento por câmeras desde 2019.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao menos 1,5 mil pessoas desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, que sucedeu as eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a presidente eleita Aung San Suu Kyi.
O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. Cerca de 12 mil pessoas já foram presas, invariavelmente sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.
No início de dezembro, tropas da junta militar foram acusadas de assassinar 11 pessoas em uma aldeia no noroeste do país. De acordo com uma testemunha, as vítimas, algumas delas adolescentes, teriam sido amarradas e queimadas na rua. Fotos e um vídeo chocantes que viralizaram nas redes sociais à época mostravam corpos carbonizados deitados em círculo no vilarejo de Done Taw, região de Sagaing.
A ação dos soldados seria uma retaliação a um ataque de rebeldes contra um comboio militar. Uma liderança local da oposição afirmou que os civis foram queimados vivos, evidenciando a brutalidade da repressão à população que tenta resistir ao golpe de Estado orquestrado em fevereiro deste ano.
Em meio à violenta repressão por parte do exército, alguns manifestantes fugiram para o exterior ou se juntaram a grupos armados em partes remotas do país. Conhecidos como Forças de Defesa do Povo, esses grupos estão amplamente alinhados com o governo civil deposto.
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